Indubitavelmente um dos temas mais relevantes do processo penal é a questão da prova, uma vez que é em razão dela e por ela que o juiz decide pela absolvição ou condenação do imputado. Sendo certo que para o Estado-Juiz condenar alguém é necessário que haja prova. E a prova deve ser lícita.
Na sua clássica obra “A Lógica da Prova em Matéria Criminal”, Nicola Framarino Del Malatesta observa que:
Sendo a prova o meio objetivo pelo qual o espírito humano se apodera da verdade, sua eficácia será tanto maior, quanto mais clara, mais plena e mais seguramente ela induzir no espírito a crença de estarmos de posse da verdade. Para se conhecer, portanto, a eficácia da prova, é preciso conhecer como se refletiu a verdade no espírito humano, é preciso conhecer, assim, qual o estado ideológico, relativamente à coisa a ser verificada, que ela induziu no espírito com sua ação.
Segundo o magistério de Hélio Tornaghi,
Todo o processo está penetrado da prova, embebido nela, saturado dela. Sem ela, ele não chega a seu objetivo: a sentença. Por isso a prova foi chamada alma do processo (Mascardo), a sombra que acompanha o corpo (Romagnosi), ponto luminoso (Carmingnani), pedra fundamental (Brugnoli), centro de gravidade (Brusa).[1]
Em razão de sua manifesta importância, a prova, para ser admitida, deve ser lícita e se submeter ao contraditório ante ao devido processo legal.
Como é de conhecimento, a produção da prova no processo penal tem por objetivo formar a convicção do juiz em relação à existência ou não dos fatos, sobre a autoria e outras circunstâncias relevantes para prolação da sentença.
Certo é, também, que em razão do constitucional princípio da presunção de inocência a carga probatória é toda da acusação “o acusado não possui a necessidade de produzir qualquer prova no processo, atribuindo o ônus probatório exclusivamente à acusação, sendo que a falta de prova, a sentença absolutória torna-se uma medida impositiva”. [2]
A prova é necessária e imprescindível no processo penal, principalmente, para condenação. Já a absolvição pode advir, inclusive, por falta de provas.
Segundo o eminente processualista Afranio Silva Jardim:
A toda evidência, no processo penal, o réu não é obrigado a produzir prova, seja em seu favor, seja em seu desfavor. Mesmo para a acusação, a prova não é um dever, mas sim um ônus processual.
No processo penal, vale a pena repetir, as partes não têm o dever ou obrigação de produzir prova. No Direito Processual, a prova é um mero ônus: uma faculdade outorgada pela lei para que a parte, querendo, obtenha uma posição processual de vantagem. [3]
Em contundente crítica as decisões tomadas pelo juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba em relação ao Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Afranio Silva Jardim salienta que “no processo penal condenatório, o ônus da prova é todo da acusação”.[4] Mais adiante, Afranio ensina que “quando o juiz sai em “campo” e se antecipa à atividade probatória própria das partes do processo, fica parecendo que o juiz está fazendo o papel de Ministério Público e deseja provar o que afirma a acusação. O princípio da imparcialidade do órgão jurisdicional está sendo totalmente desprezado”. [5]
No famigerado processo do “Triplex do Guarujá” em que o Ex-Presidente Lula foi condenado pelo juiz de piso a pena de 09 (nove) anos e 06 (seis) meses de prisão e multa, a acusação a cargo do MPF (Ministério Público Federal) não demonstrou e nem fez prova de que o “apartamento 164-A, triplex, no Condomínio Solaris, no Guarujá” pertenceu, pertence ou pertencerá algum dia ao Ex-Presidente Lula ou a qualquer membro de sua família. De igual modo, os falastrões Procuradores da República não provaram – pois seria impossível – que o Ex-Presidente LULA teria recebido qualquer valor ou bem a título de propina ou qualquer vantagem indevida.
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Aliás, o próprio prolator da sentença condenatória reconheceu que “jamais afirmou na sentença ou em lugar algum que os valores obtidos pela construtora OAS nos contratos com a Petrobras foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-presidente (…)”
Desgraçadamente, a acusação e a sentença condenatória se basearam em “convicções” e desprezando o que foi cabalmente demonstrado e provado pela Defesa do Ex-Presidente Lula. Ressalta-se que não cabe a defesa, neste caso ou em qualquer outro, provar a inocência do acusado. Mas, mesmo assim, a Defesa do Ex-Presidente Lula provou sua inocência.
No histórico julgamento do próximo dia 24, o TRF 4ª (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) pode reconhecer que os fatos atribuídos ao Ex-Presidente Lula não constituíram infração penal (art. 386, III do CPP), reconhecendo assim a atipicidade da conduta ou das condutas imputadas ao Ex-Presidente Lula.
A absolvição pode se dar, também, por “estar provado que o réu não concorreu para a infração penal” (art. 386, IV do CPP). Embora os procuradores da República tenham procurado mais uma vez distorcer a “teoria do domínio do fato” com intuito de responsabilizar qualquer pessoa por tudo e por qualquer coisa – pratica que já levou, inclusive, o seu criador Claus Roxin a tecer sérias criticas pela equivocada utilização da teoria em nome de uma fúria punitivista – está demonstrado que, ainda que se comprove a existência de crime, ainda sim, o Ex-Presidente Lula não concorreu para pratica de qualquer deles. A prova nos autos é no sentido de que o Ex-Presidente Lula não praticou e de modo algum ou mesmo concorreu para pratica de eventual crime.
Por fim, poderão os desembargadores Federais do TRF4 absolver o Ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva por “não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal” (art. 386, V do CPP).
Assim, espera-se que longe dos apelos populistas, de uma abjeta fúria punitivista e de uma perversa influência midiática, os desembargadores Federais que julgarão em grau de apelação o Ex-Presidente e cidadão Luiz Inácio Lula da Silva o façam com independência, imparcialidade e, sobretudo, justiça.
Leonardo Isaac Yarochewsky é Advogado e Doutor em Ciências Penais.
[1] TORNAGHI, Helio. Curso de processo penal. 7 ed. São Paulo: Saraiva, 1990.
[2] WEDY, Miguel Tedesco e LINHARES, Raul Marques. O juiz e a gestão da prova no processo penal: entre a imparcialidade, a presunção de inocência e a busca pela verdade. Revista Brasileira de Ciências Criminais. Ano 24. v. 119, mar-abril de 2016.
[4] Idem.
[5] JARDIM, Afranio Silva. Ob. cit.