Publicado em Carta Maior –
Cortar a publicidade de toda mídia progressista – que equivale a 0,6% do orçamento da SECOM – é tentar sufocar economicamente o pensamento de esquerda.
Uma das primeiras medidas do governo interino – e ilegítimo – de Michel Temer, iniciado em 12 de maio de 2016, foi o cerceamento da mídia alternativa no Brasil. Copiando o governo Maurício Macri, na Argentina (leia mais), em apenas sete dias, o Planalto determinava a suspensão, em cima da hora, do patrocínio pela Caixa Econômica Federal (CEF) do 5º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais, em Belo Horizonte.
Um mês depois, em 14 de junho, os jornais anunciavam a quebra de contratos entre organismos da administração direta e indireta do governo federal e microempresas da mídia progressista, entre elas, a Carta Maior.
Ao promover a quebra de contratos em plena validade, firmados pelos governos anteriores, o atual governo interino – e ilegítimo – fere princípios democráticos e ataca politicamente, por meio do arbítrio, a liberdade de expressão no país. E o faz, com pleno apoio do oligopólio midiático, passando por cima, inclusive, de um dos dogmas da Rede Globo: a quebra de contratos.
Basta lembrar o ano de 2003, quando o ex-presidente Lula assumiu o poder, o terror promovido pelos veículos das Organizações Globo, com seus colunistas e economistas de plantão, incensando a ameaça de quebra de contratos no país. Curiosamente, quando isso efetivamente ocorre, o carro chefe do oligopólio da comunicação do país aplaude, ou seja, sua indignação tem lado, depende do tipo de contrato, de quem são as partes envolvidas e qual o objeto.
Os números falam por si:
O corte de R$ 11,2 milhões em contratos de publicidade firmados entre as empresas da administração pública, direta e indireta, equivale a 0,6% do orçamento da SECOM, em 2015. Uma irrisória porcentagem nas contas de publicidade, o que evidencia o cerco político à mídia progressista.
Detentores de um vasto poder econômico, principalmente diante dos sites e blogs de esquerda e progressistas, os jornais do oligopólio midiático comemoram a tentativa do governo golpista de inviabilizar a mídia alternativa. Foram mais de dez reportagens no último mês, uma verdadeira campanha antidemocrática, um ataque à liberdade de expressão e apoio indisfarçado à instalação da censura no país.
Nenhuma indignação quanto à quebra de contratos legais que foram firmados, muito menos, é óbvio, à liberdade de expressão, que tanto defendem. Em tom de denúncia, a publicidade da administração direta e indireta em sites e blogs de esquerda é tratada como ilegal por esses veículos.
Na mira, o desmonte de uma tímida tentativa dos governos Lula e Dilma em incentivar a pluralidade política e de opinião no país, em atendimento aos preceitos constitucionais. E como se faz, por exemplo, nos países da União Europeia. No horizonte, a censura às vozes dissonantes que, há quase duas décadas, denunciam a parcialidade e a atuação partidária desses oligopólios.
0,6%
Em reportagem do dia 14 de junho, “Temer corta R$ 11,2 mi em contratos de sites considerados pró-PT”, a Folha de São Paulo chegava a admitir que “o valor cortado até agora, na verdade, é irrisório perto dos dispêndios anuais com publicidade federal”. Em 2015, aponta, “o total gasto pelo governo Dilma, sob comando da SECOM, foi de R$ 1,86 bilhão. A maior parte [Globo] foi para TV, R$ 1,23 bi”.
Notem que, neste universo de R$ 1,86 bilhão, o valor que seria repassado à mídia progressista neste ano – R$ 11,2 milhões – equivaleria a 0,6% do orçamento da SECOM em 2015. Um valor contratado pelo governo anterior e agora rompido pelo governo golpista, ou seja, recursos que os veículos nem chegaram a receber, em uma atitude juridicamente duvidosa.
Na justificativa do Planalto, divulga a Folha, “esses blogs” (leia-se, mídia alternativa) “refletiam parte da opinião pública, não representando a multiplicidade das opiniões”. Uma “parte da opinião pública” que, como indicam os resultados eleitorais dos últimos anos, incluiu os eleitores que votaram em candidatos progressistas, ultrapassando os tradicionais 30% registrados como a parcela da população “de esquerda”.
Estamos falando de uma considerável parcela progressista da sociedade brasileira. Vale destacar que, em 2002, o então candidato Lula vencia José Serra com 61,28% dos votos ante 38,72%. Em 2006, outra vitória, com 60,93% ante 39,17% de Geraldo Alckmin. A presidenta Dilma Rousseff, por sua vez, venceu as eleições de 2010, com 56,05% dos votos ante 43,95% de José Serra. Em 2014, foram 54,64% ante 48,36% de Aécio Neves.
Há quatro eleições, significativa maioria da população brasileira votou em candidatos progressistas. Há mais de duas décadas, essa mesma maioria pode encontrar na mídia progressista, um mínimo de diversidade na pauta jornalística, asfixiada pelos interesses de meia dúzia de famílias que controlam a comunicação no país.
Ao justificar a quebra de contratos, o Planalto tenta desqualificar a produção jornalística da imprensa alternativa, ao afirmar, “como é impossível obter representação ideal [de opiniões], o governo definiu como prioridade produtos que tenham cunho jornalístico, de interesse público”.
Para além do evidente arbítrio na definição de “cunho jornalístico” e, sobretudo, “de interesse público”, a medida esbarra em um direito garantido pela própria Constituição, o inciso V do artigo 1°: o pluralismo político. No artigo 5° da Carta Magna, pelo qual “todos são iguais perante a lei”, o inciso VIII garante que “ninguém será privado de direitos por convicção política”.
Como aponta o advogado Percival Maricato, em artigo publicado no site GGN: “o governo é Poder Público e não poder da tendência política que o controla. Não pode dirigir verbas públicas apenas para seus simpatizantes. Lula e Dilma entenderam isso ao permitir a publicidade inclusive da Globo, revista Veja e assemelhadas” (GGN, 20.06.2016).
Uma Globo aliás que, com fartas verbas de publicidade, fez jus à sua vocação golpista. Basta lembrarmos do chamamento, ao vivo, da população às ruas, em praticamente todas as manifestações contra o Governo Dilma. E o que dizer da construção das pedaladas fiscais enquanto justificativa do golpe?
No último sábado (25.06), inclusive, a líder do governo interino, a senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), integrante da Comissão de Orçamento do Senado, afirmou à Rádio Itatiaia: “não teve esse negócio de pedaladas, nada disso” (Rádio Itatiaia, 25.06.2016).
Direito ao pluralismo político
A questão permanece: O que justifica a quebra de contratos legalmente formais com microempresas que garantem, justamente, o pluralismo político, um direito constitucional do país?
Como o governo interino quebra um contrato assinado por outro governo, por exemplo, o contrato de estatais de envergadura, como a Caixa Econômica Federal (CEF), Petrobras, Banco do Brasil e outras?
A medida sinaliza a tentativa de inviabilização da mídia alternativa e, obviamente, a sua vitalidade. Frente ao poder econômico do oligopólio da comunicação, os sites e blogs progressistas, sem recursos, garantiram nos últimos anos, um mínimo de pluralismo político e de diversidade na seara jornalística, dominada historicamente por esse oligopólio.
A denúncia do golpe, somada ao exercício crítico e independente, não poderia ser, jamais, de “interesse público” segundo os golpistas. O incômodo é notório, sobretudo, em dois ferozes editoriais de O Estadão – “Blogs com dinheiro público” e “A Justiça e os ´blogueiros´”.
Verdadeiros manifestos antidemocráticos contra a existência de uma mídia alternativa e progressista no país, eles reverberam o esforço de criminalização da blogosfera, à revelia do direito constitucional ao pluralismo. Tenta-se nesses panfletos, minimizar a independência da mídia progressista, desqualificando sua produção jornalística, reduzindo-a às determinações de um partido político.
No galope da truculência, o recado: mídia de esquerda não pode contar com publicidade estatal. E a mídia de direita, pode?
Carta Maior
Desde que surgiu, em 2001, a Carta Maior sempre se apresentou como um portal de esquerda a seus leitores. Um comportamento oposto às mídias dessas empresas, que se vendem como isentas, mas fazem dia sim e no outro também política partidária, utilizando-se de “dois pesos e duas medidas”, para manipular a opinião pública.
Todos sabem que não é de hoje a tentativa da direita de silenciar a mídia progressista. No final das eleições de 2014, em 17 dezembro, a Folha publicava “Sites alinhados ao governo foram beneficiados com gasto em publicidade”. Em tom de denúncia, o jornalão da Família Frias questionava o incentivo à mídia alternativa nos contratos federais.
A Carta Maior, inclusive, chegou a ser citada por conta do repasse de R$ 9,1 milhões, entre 2003 e 2013.
A matemática dimensiona a realidade:
Em dez anos, R$ 9,1 milhões significam R$ 910 mil brutos por ano, mais especificamente, R$ 75,8 mil brutos por mês. Descontados as comissões das agências de publicidades e os impostos, o valor líquido chega a R$ 53,6 mil mensais, obviamente, não especificados na reportagem, talvez porque não paguem comissão de agência (a velha questão da Bonificação por Volume, o chamado BV).
Como sobreviver com parcos R$53,6 mil mensais ?
Um montante, vale destacar, utilizado no pagamento de profissionais, investimentos no site e, também, em publicações, atividades e seminários que foram realizados ao longo das duas últimas décadas, inclusive, a cobertura de todas as edições do Fórum Social Mundial no Brasil e no exterior.
Em 4 de julho de 2015, ano em que o oligopólio midiático apostou suas fichas no impeachment, a mesma Folha estampava: Publicidade federal para mídia alternativa vai a R$ 9,2 milhões em 2014. Novamente a Carta Maior era citada: utilizando a métrica da Nielsen para questionar os repasses à mídia alternativa, o jornal indicava 484.977 visitantes únicos à Carta Maior naquele ano.
Como bem afirmava a reportagem, “há várias empresas especializadas para fazer essa medição”. A Carta Maior se utiliza, por exemplo, da ferramenta do Google – o Google Analytics – que indica 5.099.666 visitantes únicos, em 2014, à Carta Maior; além de 10.403.788 sessões, 27.673.212 visualizações de página e uma média de 2,66 páginas/sessão, com 5 minutos de permanência no site, por visitante.
Os dados de 2015 mostram, segundo o Google Analytics, que o número de visitantes únicos subiu para 6.295.623. Houve, ainda, 11.537.547 sessões e 26.757.933 visualizações de páginas, com a média de 2,32 páginas por sessão e tempo de permanência de 3 minutos e 55 segundos, por visitante.
Cumpre lembrar que a empresa Google – de cuja ferramenta a Carta Maior se vale – é a maior empresa de tecnologia do mundo, superando, inclusive a Apple, na lista das 100 mais valiosas do planeta (Tecmundo, 08.06.2016).
Comparar Google Analytics com Nielsen ou comScore e outras é uma leviandade. Além do mais, a ferramenta Google Analytics é gratuita, as demais são pagas.
Mas não é preciso ter esses números em mãos para atestar a relevância da Carta Maior. Basta conferir a lista dos colaboradores nacionais e internacionais, bem como as parcerias mantidas com o Página 12, La Jornada, El Telégrafo, Rebelión, New Left Review, Nodal, Punto Final, entre outros.
Neste 2016, em pleno retrocesso de direitos sociais e desmonte do Estado brasileiro, não surpreende que queiram calar a nossa voz. E não apenas a nossa. Não há dúvidas quanto às intenções do governo golpista contra a mídia progressista como um todo. Repetimos: “o valor cortado até agora, na verdade, é irrisório perto dos dispêndios anuais com publicidade federal” (FSP, 14.06.2016). E as manchetes são retumbantes contra os sites e blogs simpatizantes do PT.
Ridículos, tendo em vista os 0,6%.
Cerco político
O cerco é político e ideológico. É disso que se trata o corte. Aos que ainda duvidam, recomendamos a leitura do discurso alinhavado na imprensa, desde a suspensão do patrocínio da Caixa Econômica Federal ao 5º Encontro Nacional de Blogueiros e Ativistas Digitais.
Nas páginas de O Estado de S. Paulo (19.05.2016), um dia antes do evento, o anúncio de mais cortes: “as medidas ocorrem em meio à solicitação por parte do Palácio do Planalto para que os ministérios enviem os planos de comunicação para uma análise para se tomar o conhecimento de como, quanto e onde estão sendo aplicados os recursos da comunicação e publicidade do governo”.
Na Folha de S.Paulo (19.05.2016): “os planos de mídia sofrerão um pente-fino com a intenção de cortar ou suspender patrocínios que não sejam considerados estratégicos para a máquina federal ou não estejam ligados a campanhas emergenciais de interesse nacional”.
Em O Globo (19.05.2016), as aspas de Márcio de Freitas, atual chefe da Secretaria de Comunicação: “achamos que temos que deixar de nos envolver com blogs de opinião, temos que nos envolver com veículos jornalísticos de interesse públicos. Precisamos fazer uma revisão, já que os gastos são escassos. E definir novas prioridades”.
As novas prioridades?
Segundo a Folha, em 14 de junho: “a Petrobras respondeu que em julho deixa de anunciar nos sites bloqueados [a Carta Maior acaba de receber a Carta de rescisão da contratação] e concentrará a verba publicitária nos principais portais, como UOL [do Grupo Folha], Globo.com e R7, além de redes sociais (Facebook) e sites segmentados (Quatro Rodas, Globo Esporte)´.
E mais: “antes isentos do corte, os repasses para ´Congresso em Foco´ e ´Observatório da Imprensa´ também acabaram bloqueados depois de análise jurídica, segundo a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom)”.
Quatro dias depois, O Globo atualizava a lista:
“Um interlocutor do presidente interino explicou que alguns desses sites, como o Congresso em Foco, o El Pais, o Blog do Kennedy Alencar, o Observatório da Imprensa e o Fato Online, têm características jornalísticas e conteúdo de interesse público, mas que, por uma questão jurídica, a Casa Civil não conseguiu diferenciar tecnicamente esses dos demais e foi obrigada a solicitar o cancelamento de patrocínios a todos eles”.
Resta a pergunta:
Qual lei, senhor Márcio de Freitas, determina este corte e protege este tipo de atitude?
Em busca da resposta, a Carta Maior ingressará com uma petição pela Lei do Acesso à Informação (Lei n° 12.527), para que a Secom informe qual o fundamento jurídico para tal atitude.
Definitivamente, pluralidade política não faz parte das novas prioridades.
É Golpe.