Atleta falou sozinho sobre o tema em coletiva convocada pela CBF
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Rafael Ribeiro/ CBF
O que deveria ser uma entrevista coletiva para promover o amistoso de hoje entre a seleção brasileira e a espanhola, em Madri, transformou-se num emocionado desabafo do craque Vini Jr. contra o racismo, com repercussão mundial. O jogo foi agendado justamente para marcar a luta contra a discriminação racial, mas o comovente relato do atleta serviu para mostrar o quanto o fazem sofrer as ofensas que recebe na Espanha e também o quanto está isolado nesse embate.
Durante 30 minutos o jogador falou sozinho aos jornalistas sobre o assunto, por orientação da CBF, como se o problema não afetasse os outros integrantes da equipe, negros ou não. Na entrevista que concedeu depois de Vini, o técnico Dorival Jr. mostrou não ter compreendido a gravidade da situação.
“Se houve um crime, se constatado pela Justiça, ele tem que ser punido em todos os aspectos, doa a quem doer, estejamos onde estivermos”, declarou o treinador, referindo-se aos ataques racistas como se fossem uma hipótese e não algo explícito nos estádios espanhóis e em outros países. Além disso, Dorival tratou o assunto como se fosse somente da alçada jurídica e não algo que deveria mobilizar vários setores da sociedade.
Na sua entrevista, Vini Jr. não conteve as lágrimas em vários momentos e teve que interromper a fala por causa da emoção. Em uma dessas pausas foi aplaudido pelos presentes e muitos jornalistas fizeram perguntas em prantos, como foi o caso de uma repórter japonesa.
O atleta falou que os ataques racistas o fazem se sentir desmotivado a seguir jogando futebol na Espanha.
“É uma coisa muito difícil e eu tenho lutado bastante por tudo que vem acontecendo comigo. É desgastante porque você está meio que sozinho em tudo, porque eu já fiz tanta denúncia e ninguém é punido, nenhum clube é punido. E a cada dia que passa eu venho lutando por todas aquelas pessoas que vão vir, porque se fosse apenas por mim, pela minha família, eu acredito que eu já teria desistido de tudo que venho lutando. A cada dia quer vou para casa fico mais triste, mas eu fui escolhido para defender uma causa tão importante, que cada dia eu estudo mais sobre [o racismo], eu venho aprendendo para que num futuro muito próximo, o meu irmão que tem cinco anos não venha a passar por tudo que estou passando”, desabafou Vini Jr., que teve ao menos dez episódios de racismo relatados aos procuradores do Campeonato Espanhol.
O amistoso contra a Espanha, em Madri, terá uma identidade visual com destaque para o preto e branco. No momento do hino, os jogadores brasileiros usarão jaquetas pretas com o slogan “uma só pele; uma só identidade”, em português, inglês e espanhol.
Vini Jr. desabafa
Ao longo da coletiva, Vini Jr. chorou algumas vezes, a primeira delas ao abordar a forma como é tratado pela imprensa na Espanha.
“Acredito que eles [jornalistas] têm que falar menos de tudo o que eu faço de errado dentro de campo, é claro que tenho que evoluir, mas tenho 23 anos, é um processo natural, saí muito novo do Brasil, não pude aprender tantas coisas. Tenho 23 anos e sigo estudando. Por que os repórteres da Espanha, que são mais velhos do que eu, não podem estudar e ver o que realmente está acontecendo? Cada vez estou mais triste, cada vez tenho menos vontade de jogar, mas vou seguir lutando”, destacou Vini Jr., enxugando as lágrimas.
Deixar o Real Madrid
“Pensei em sair, sim. Mas se saio daqui, estou dando o que querem aos racistas. Vou seguir lutando e jogando no melhor do mundo, ganhando títulos e fazendo muitos gols, para que vejam cada vez a minha cara. Sigo evoluindo para isso. Jogar futebol e fazer a alegria das minhas pessoas e de todos que vão ao estádio. Racistas sempre serão minoria. Como sou um jogador atrevido, que joga no Real Madrid e ganhamos muitos títulos, é complicado. Mas vou seguir firme e forte pois presidente me apoia, o clube me apoia, para que eu continue e possa ganhar muitas coisas”, desabafou Vini Jr.
O que frustra mais?
“A falta das punições. Se a gente começar a punir todas essas pessoas que cometem crime e aqui eles não consideram crime, vamos começar a evoluir, tudo vai ficar melhor para todo mundo. Faço tantas denúncias, muitas vezes chegam cartas para fazerem mais denúncias, mas no final acontece como aconteceu com meu amigo em Barcelona, eles arquivam o processo e ninguém sabe de nada. Se a gente começar a punir essas pessoas, não que eles vão mudar o pensamento, mas vão ficar com medo de falar, seja no estádio, onde tem câmeras… e assim vamos diminuir isso, colocar medo naquelas pessoas. E que eles possam também educar seus filhos. Muitas vezes aqui tem criança me xingando e eu não culpo a criança, porque eles não entendem, eu na idade deles não entendia o racismo. É complicado”.
“No futebol tem muitas pessoas, tantos jogadores melhores do que eu que já passaram por aqui, eu quero fazer com que as pessoas no mundo possam evoluir, melhorar, que possamos ter igualdade, que num futuro próximo haja menos casos de racismo, que as pessoas negras possam ter uma vida normal, como as outras. Quero seguir lutando por isso. Se fosse por mim, eu já teria desistido, fico em casa, ninguém vai me xingar, fazer nada comigo… Eu vou para os jogos com a cabeça centrada no jogo para fazer o melhor para minha equipe, mas nem sempre é possível. Tenho que me concentrar muito todos os dias”, revelou Vini Jr., entre lágrimas.
Apoio dentro e fora de campo
“Quero agradecer desde já a todos os jogadores da Espanha que sempre que dão entrevista estão me apoiando, fazendo tudo para que a Espanha mude seu pensamento. Não só a Espanha, em todo lugar tem muito racismo. Espero que a gente possa fazer tudo para diminuir cada vez mais o racismo. Os jogadores da Espanha estão me ajudando muito, falando coisas que no início só eu falava. Sempre peço que Fifa, Conmebol, Uefa possam fazer mais coisas, como a CBF está fazendo, vem me ajudando para que possamos evoluir como seres humanos, para que todos possam estudar para ver o que os pretos passam e passaram. O que eu passo não é nem perto do que todas essas pessoas passaram. Eu quero lutar por aqueles que são pretos”, disse Vinícius Júnior.