Racismo na TAM: “Troca de lugar com a feinha (negra) aí”, diz funcionário em vôo

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Por Negro Belchior, em Carta Capital –

Na tarde de sábado (19/12) no vôo TAM-JJ3705 de Brasília para Congonhas-SP, um grupo de jovens artistas sofreram ofensas racistas por parte de funcionários da TAM que seguiam no vôo como passageiros. Segundo relato dos artistas, os agressores foram acobertados pelos comissários de bordo da TAM, receberam privilégios no tratamento dentro do avião e tiveram sua conduta racista apoiada por parte dos passageiros.

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Os jovens artistas periféricos voltavam de Brasília, onde participaram da 3° Conferência Nacional da Juventude, que reuniu por 4 dias cerca de 5 mil jovens de todo o país e onde se discutiu, entre outras coisas, justamente a problemática da questão racial no Brasil.




Segundo o relato, um homem branco teria enviado uma mensagem com teor racista para um colega, também branco, sentado à algumas poltronas de distância: “Depois que começaram a vender passagens nas Casas Bahia, ficou foda andar de avião!” O mesmo homem teria, em uma segunda mensagem ao amigo, escrito: “Pede pra trocar de lugar com a feinha aí”, referindo-se a uma das jovens negras do grupo.

Os jovens, ao perceber a troca de mensagens discriminatórias, resolveram tirar satisfações junto ao agressor, que reafirmou: “Para andar de avião, a pessoa tem que se comportar direito”.

Com a discussão, os comissários de bordo intervieram e ameaçaram chamar a Polícia Federal. Os jovens foram incisivos em concordar que se chamasse a PF, já que estavam sendo vítimas de racismo, crime inafiançável no Brasil. A tripulação não acionou a polícia, promoveu mudança de lugares dos agressores e o vôo seguiu. No entanto, durante a viagem, os jovens perceberam que um dos agressores fora convidado pelos comissários a conversar separadamente sobre o ocorrido, atrás das cortinas do serviço de bordo e a discussão recomeçou. “Porque a tripulação ouve e trata com privilégio os agressores e não os agredidos?”, questionou o grupo de jovens.

Com a aeronave em solo, já na chegada à SP, o grupo de artistas resolveu promover uma intervenção artística ainda dentro do avião, com um recital da poesia “Somos”, de autoria de Juliana Rodrigues, a Afro Ju, uma das jovens agredidas durante o vôo. Eis que parte dos passageiros, incomodados com o conteúdo dos versos, passaram a hostilizar o grupo.“Vitimistas! Mini Marxistas! Viva Bolsonaro 2018!”, gritaram alguns passageiros, segundo relatos dos jovens.

Como é de se esperar, a cobertura jornalística feita pela grande mídia brasileira tende a reafirmar condutas discriminatórias e a criminalizar as vítimas em tais situações.

Apesar de terem gravado o relato de uma das jovens negras agredidas no vôo, ao fazer o registro escrito, a matéria do G1 caracteriza o acontecido como “tumulto” e afirma que os jovens teriam “agredido passageiros”, versão contestada pelos jovens e devidamente registrada no Boletim de Ocorrência.

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E que culpa tem a TAM?

Racismo é um crime praticado por pessoas e por empresas/corporações. Mas mesmo nos raros casos em que as investigações são levadas a sério, são ainda mais raros os casos em que as instituições são responsabilizadas. O despreparo dos funcionários no trato da violação de direitos e especificamente quanto à falta de sensibilidade em perceber a prática de racismo, o tratamento privilegiado dado aos agressores, bem como o clima habitual de comportamento padronizado, higienista e eurocêntrico “natural” do ambiente em aeroportos e em vôos, configuram espaços de opressão à corpos negros, à cabelos crespos, à vozes altas, à indumentárias afros e à tudo que contraponha a “leveza” e a conduta comportamental nórdica. Um ambiente corporativamente racista, logo, de responsabilidade da empresa.

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Grupo de jovens denunciam racismo de funcionários e da empresa TAM Linhas Aéreas, junto à Polícia Federal, em SP

Injúria racial versus crime de racismo: O agressor é sempre beneficiado

Embora seja crime inafiançável desde 1988, uma das coisas mais difíceis é justamente a caracterização do crime de racismo. A maior parte dos casos de racismo explícito são registrados como “injuria racial”, crime potencialmente “mais leve”.

A injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, que estabelece a pena de reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la. De acordo com o dispositivo, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência.

Em geral, o crime de injúria está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor com a intenção de ofender a honra da vítima.

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Já o crime de racismo, previsto na Lei n. 7.716/1989, implica conduta discriminatória dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Ministério Público a legitimidade para processar o ofensor.

E aí está o problema da interpretação dos fatos. Para negras e negros, ser chamada de “feinha” por ser negra não se trata apenas de injúria ou ofensa pessoal. Trata-se de um crime contra todo um povo, e que mais que entrar, estar ou acessar ambientes ou direitos, trata-se da negação da humanidade e da consideração enquanto igual.

Que fazer em um país em que, sociologicamente falando, quem qualifica e decide o que é crime de racismo ou não, é o próprio criminoso e promotor do pensamento racista?

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