Rastros do futuro: peça de teatro que inventou a palavra robô mostra como a ficção científica pode prever o futuro

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Alguns dos elementos da obra R.U.R – Robôs Universais de Rossum ainda são assustadoramente contemporâneos

Por Marcos Vinícius Almeida, compartilhado de BdF




mulher, robô
O termo robô surge apenas no século XX, junto com a proliferação de centros urbanos e fábricas – Créditos: Divulgação

“Qual trabalhador você acha virtualmente melhor?”, diz Harry Domin, Diretor Geral da poderosa empresa R.U.R. 

Helena, uma jovem idealista que acabara de chegar à remota ilha onde a fábrica se localiza, não responde de imediato. 

O escritório central absorve uma luz fuliginosa entrando em diagonal pelas largas janelas envidraçadas, que vão do chão ao teto. Ao fundo, podemos contemplar chaminés industriais trabalhando a todo vapor. 

“O melhor?”, ela diz. 

“Sim, o melhor”. 

Há cartazes e mapas nas paredes. E uma grande escrivaninha com uma cadeira giratória.

Helena o encara. “Talvez aquele que seja mais honesto e dedicado.”    

“Não”, Harry Domin sorri. “Aquele que seja mais barato. Aquele que tenha necessidades mínimas”. 

O diálogo acima, recriado aqui com certa liberdade, está no prelúdio da peça R.U.R: Robôs Universais de Rossum, de Karel Čapek (1890 -1938), relançada em português este ano pela editora Aleph. Montada pela primeira vez há mais de um século, em 1921, a obra influenciou inúmeros trabalhos posteriores e cunhou, pela primeira vez, a palavra robô. Alguns dos elementos ainda são assustadoramente contemporâneos. E estão na vanguarda do pensamento sobre biotecnologia.

Arqueologias do futuro

R.U.R é mais um exemplo, entre tantos, de como a arte, em especial a ficção científica, procura não apenas alegorizar, mas pensar as angústias do presente e do futuro. 

Como diz Fredric Jameson em Arqueologias do futuro – o desejo chamado Utopia e outras ficções científicas (2005), esse gênero que nasce na segunda metade do século XIX, com Júlio Verne (que chegou à Lua antes da Nasa) e A máquina do tempo (1895) de H. G. Wells (ou algumas décadas antes, com Frankenstein (1818) de Mary Shelley), é um sintoma das profundas transformações de sua época e da relação com a própria experiência do tempo histórico. 

Jameson relaciona o surgimento dessa ficção científica com o romance histórico, onde a subjetividade se vê pela primeira vez atravessada pelos grandes movimentos da História, e também com a produção de um tipo clássico de utopia. 

Do parentesco com essas duas formas narrativas, a ficção científica vai carregar dois legados: por um lado, a apurada encenação da experiência histórica (pensemos na “psico-história”, da trilogia Fundação (1951), de Asimov, inspirada num clássico da historiografia), e também a radicalidade dos escritos e imagens utópicas ou distópicas: instaurar a diferença na identidade, abrir fissuras na homogeneidade, pensar o impensável.

As palavras não são banais. Utopia é junção dos termos tópos, lugar (mesmo origem da palavra topografia, por exemplo), acrescida de um “u” que quer dizer não. Em sentido literal, se diz utópico aquilo que está fora lugar, não tem lugar. Daí o sentido figurado que o gênero literário utopia, que nasceu no séc. XVI, trataria de coisas que “não tem lugar neste mundo”, logo, são irreais, imaginárias, irrealizáveis.

Como gênero literário, e filosófico, as utopias desafiam autoridades, pois negam a naturalidade das coisas. Sua principal característica é desejar, encenar e, às vezes, antecipar alguma transformação. Em vocabulário de hoje: o pensamento utópico é disruptivo, “inovador”, quer “mudar o mindset” dos conservadores.

Se o clássico Utopia, “um enclave imaginário dentro do corpo social real”, ousou pensar o impensável (um mundo sem dinheiro não é um detalhe supérfluo), numa ilha geograficamente distante, as distopias contemporâneas ousam pensar o insuportável (homens escravizados por máquinas, hipnotizados por estímulos virtuais, viciados em microdoses de dopamina).

É nesse sentido que o historiador Georges Minois coloca a ficção científica entre os dispositivos oraculares no seu longo estudo de práticas preditivas, História do Futuro – dos profetas à prospectiva (1996). 

Enquanto as utopias se deslocam no espaço, as distopias se deslocam no tempo, demarcando angústias de uma nova época. 

Robôs e escravos: o corpo incansável 

Máquinas autônomas são coisas bem antigas. 

Na Ilíada (IX a.C), Hefesto – o ambidestro ferreiro dos deuses – construiu duas mulheres douradas, na tradução de Trajano Vieira “símiles de moças vivas” com “mentes dotadas de inteligência, tinham voz e força”. 

Hefesto, deus da tecnologia, também forjou o gigante de bronze Talos, eternizado na versão cinematográfica de Jasão e Os argonautas (1963) e descrito por Apolônio de Rodes (295 a.C. – 215 a.C.), em As Argonáuticas como “totalmente feito de bronze, exceto por uma única veia que ia do tornozelo ao pescoço, contendo o sangue que era sua vida, mantida por uma fina membrana em seu calcanhar”. A tradução é de William Sales.

Mas o termo robô surge apenas no século XX, junto com a proliferação de centros urbanos e fábricas, que aceleram o tempo, algo muito bem expressado nas cenas de abertura de Metrópolis (1927), de Fritz Lang, contemporâneo de R.U.R.
 
A palavra “robô” vem do tcheco robota, que significa “trabalho forçado” ou “servidão”, referindo-se ao trabalho compulsório que os servos realizavam para seus senhores feudais. Robota deriva do termo eslavo rab, que significa “escravo.”

“A mais barata mão de obra: os Robôs de Russum”, diz o cartaz publicitário no escritório central da fábrica. 

Rossum, embora seja uma criação livre do autor, pode ser um jogo com a palavras tcheca rozum, que significa “razão” ou “intelecto”.

Os robôs de Rossum são a corporificação do ideal de aceleração e maximização da exploração do trabalho. 

Aqui não temos máquinas de ferro e circuitos, mas cópias sintéticas dos seres humanos, construídas de maneira bioquímica. 

Em 1920, o cientista Rossum chega a uma ilha remota, não identificada. Essa clausura geográfica da ilha não é gratuita. Soa como sobrevivência das utopias clássicas, que por sua vez remontam ao mito do Paraíso Terrestre, cujas portas podem ser alcançadas com um barco. 

Rossum quer brincar de Deus.

O velho Rossum, espécie de polímata, pretende estudar biologia marinha. Em 1932, mais de uma década depois, ele faz uma descoberta revolucionária: um composto químico que imita o protoplasma. Fascinado pela possibilidade de criar vida artificial, Rossum tenta construir um cão e um ser humano, mas seus experimentos falham. Seu sobrinho, o Jovem Rossum, o visita, e logo surgem conflitos entre eles. 

Enquanto o Velho Rossum vê em suas criações uma oportunidade de provar que Deus é desnecessário e inexistente, o Jovem Rossum, um engenheiro, enxerga uma chance de acumular riqueza.

Não é difícil descobrir quem venceu.

O Velho Rossum é um iluminista clássico, que acredita que a razão instrumental pode substituir a natureza, deixar Deus obsoleto. O Jovem Rossum é o homem da virada do século XIX para o século XX, quando a técnica, sob a ideologia do progresso, é a expressão mais apurada da racionalidade capitalista: a vida humana é obsoleta e muitas vezes um entrave à maximização do lucro.   

“O jovem Rossum inventou um operário com o mínimo possível de necessidades (…) Removeu tudo que não servia diretamente ao trabalho. Com isso, de fato, dispensou o homem e concebeu o robô”, explica o diretor Domin. 

Os Rossuns, inventores dos robôs, parecem avatares de Dr. Eldon Tyrell e Niander Wallace, grandes magnatas-cientistas da saga Blade Runner.

Helena, por sua vez, não consegue perceber que a secretária do escritório não é uma pessoa. E nesse ponto, R.U.R antecipa reflexões do pós-humanismo.

“As máquinas do final do século XX tornaram completamente ambígua a diferença entre o natural e o artificial, entre a mente e o corpo, entre aquilo que se autocria e aquilo que é externamente criado”, escreve a teórica feminista Donna Haraway, em seu Manifesto Ciborgue (1985), e continua: “podendo-se dizer o mesmo de muitas outras distinções que se costumavam aplicar aos organismos e às máquinas. Nossas máquinas são perturbadoramente vivas e nós mesmos assustadoramente inertes”.

Os robôs de Karel Čapek são o primeiro avatar dos replicantes de Blade Runner (1982). Os androides de Ridley Scott estão próximos de clones humanos melhorados e controlados por biotecnologia. Eles são usados como força de trabalho escravizado no processo de expansão colonial da humanidade para fora da Terra. 

O humano robotizado, ou seja, escravizado dentro da legalidade, puramente profissional e eficiente, é o sonho utópico do capitalismo tardio. O funcionário descrito pelo CEO da G4 Educação. Onde os limites entre vida pessoal e trabalho são dinamitadas, e as mínimas condições trabalhistas historicamente conquistadas são subtraídas, e desmontadas sistematicamente pela racionalidade neoliberal, levando o sujeito à condição de “empresário de si mesmo”, como Michel Foucault já havia diagnosticado nos anos 70. 

Obsolescência e substituição

“Se você se deitar comigo”, diz Joe, o gigolô de I.A – Inteligência Artificial (2001), nunca mais vai querer um homem de verdade”.

O replicante K de Blade Runner 2049 (2017) é muito mais sensível, melancólico, obstinado e com sentimentos mais refinados que muitos de nós. Enquanto o android de O exterminador do futuro 2 (1991) interpretado por Arnold Schwarzenegger parece um pai perfeito para o órfão John Connor, a máquina exterminadora de metal líquido interpretada por Robert Patrick é muito mais mortal do que qualquer soldado humano. 

Em termos darwinistas, também os Robôs Universais de Rossum são mais aptos ao capitalismo que a própria humanidade. E por isso, se revoltam e exterminam os homens e dão origem a uma nova era na Terra. 

Crítica à ideia de progresso 

“Os modernos são aqueles que vivem o tempo como esfera do progresso rumo à perfeição”, escreve Franco Berardi, no seu ensaio Depois do futuro (2009). Nenhum século acreditou tão euforicamente no progresso como o século XIX, que fez da crença no cientificismo uma seita e trocou a revelação religiosa pela análise de dados socioeconômicos, enxergando teleologias por todos os lados: “a lei dos três estados de Auguste Comte é surpreendentemente parecida com as três eras de Joaquim de Flora”, na visão de Georges Minois. Joaquim de Flora é um místico milenarista do século XIII.

Progresso é uma categoria de pensamento conservadora por excelência. Tributária do otimismo positivista, do movimento inercial sem obstáculo, da continuidade, cujo objetivo da progressão é conservar a vida “tal e qual”.  

“O conceito de progresso”, escreveu Walter Benjamin, nas Passagens, “deve ser fundamentado na ideia de catástrofe”. E explica: “Que ‘as coisas continuem assim’, eis a catástrofe.” É a tempestade que empurra o Anjo da História, acumulando ruínas sobre ruínas.

Uma ciência tão positiva como a do século XIX só poderia parir um monstro: a Primeira Guerra Mundial, que vai devastar a Europa no começo do século XX. Mas antes do horror das trincheiras se realizar, a ficção científica iria despontar ocupando o lugar da utopia, metamorfoseada em distopia, mas guardando sua energia fundamental: pensar o impensável.

Frankenstein (1818), de Mary Shelley, clássico do horror e da ficção científica, é uma anomalia desviante não apenas temática, mas formal, filosófica, que nasce dentro do Positivismo ultra racionalista e o questiona. Mostra as consequências da crença exageradamente otimista naquela ciência progressista. Não é o sono da razão que produz monstros, como acreditavam os ingênuos iluministas: é a plena luz da razão iluminando o caminho positivo da técnica que produz “O Prometeu Moderno”. 

O avanço da ciência em si carrega um mau presságio. É preciso desconfiar. 

Anos mais tarde, A máquina do tempo (1895) de H. G. Wells avança milhares de anos de anos no futuro, até 802.701 d.C, onde encontra uma sociedade com estética neoprimitivista. Nela, os Elois vivem a felicidade idílica (quase utópica), de uma vida simples próxima da natureza, mas apenas para servirem de alimentos aos Morlocks, seres subterrâneos. História é conflito.     

Ao final da peça R.U.R, um único humano sobrevive: Alquist. “É mais velho que os demais, veste-se com desleixo e tem barba e cabelos longos e grisalhos”. Quando o alto escalão da fábrica começa a elencar as vantagens de construir cada vez mais robôs, o construtor Alquist desconfia. 

Primeiro, diz que todos os trabalhadores do mundo ficarão desempregados. Depois, ironiza Domin, dizendo que ele está prometendo a abundância de um Paraíso Terrestre. “Acho que havia algo de virtude no trabalho e no cansaço”. Dez anos depois, no Primeiro Ato, ele revela estar angustiado com “todo esse progresso” e que se sente bem com o trabalho manual de assentar tijolos. “Não gosto nem um pouquinho desse progresso.” 

Alquist é uma solitária voz dissonante, disruptiva, num coro de otimismo catastrófico. Será o último homem na face da Terra.

No future

A crença no futuro acabou porque a ideia de progresso perdeu sua hegemonia. Não há mais equivalência entre as palavras progresso e futuro. Nossa experiência do tempo, como definiu François Hartog, se alterou profundamente. Entramos em um novo “regime de historicidade” no qual o presente se tornou eterno: o presentismo.

Fredric Jameson diz que se a modernidade era obcecada pelo tempo (algo que ganha forma no romance proustiano), no regime da pós-modernidade o que prevalece é o espaço, o território, as cartografias: o que existe no presente é o corpo, pura presença, e o corpo é espaço atomizado.

O corpo assume a forma da alteridade radical no espaço incomensurável do horror cósmico construido por Dan O’Bannon, em Alien (1979), o mesmo corpo invasor de Invasores de corpos (1979), o corpo descomunal dos vermes de Duna (1965), então ganha diferentes formas de manifestação no body horror de Scanners (1981) e Videodrome (1983), de David Cronenberg, corpo ampliado, espectral, fantasmático, metamorfo, ou o corpo reduzido a pura performance de Crimes do futuro (2022). 

O corpo infinitesimal dos nano-robôs que estão por toda parte, e em lugar nenhum, da superinteligência artificial alienígena maléfica de O problema dos 3 corpos (2006), de Cixin Liu. Corpo, tempo e linguagem se entrelaçam em História de sua vida (1999), de Ted Chiang que ganhou forma plástica nos corpos tentaculares em A chegada (2016), de Denis Villeneuve.

A viagem para frente e para trás no tempo de H. G. Wells, hipersaturada em Dark (2017) é substituída pelos deslocamentos nos territórios multidimensionais paralelos, desdobrados infinitamente, em obras como Coherence (2013) e Matéria escura (2016).

Podemos buscar os determinantes na bomba de hidrogênio, que mostra a face mortal da técnica, não como uma escolha de usos, mas intrinsecamente falaz e maléfica. O colapso total dos corpos. Em certa medida, deixamos de entender o mundo, na visão do ótimo romance de Benjamín Labatut. “Não é sem sentido, por exemplo, acreditar que a época científica e técnica é o começo do fim da humanidade”, diz Ludwig Wittgenstein. Se cada época sonha com seu futuro, como especulou Jules Michelet, “O século XX, desiludido, tem pesadelo premonitórios”, nas palavras de Georges Minois.   

O Clube de Roma, fundado em 1968, anuncia os limites do crescimento global. Seu relatório The Limits to Growth (1972) alerta sobre os riscos do crescimento econômico. A ideia de progresso encontra a barreira material do Antropoceno e desaparece. O fracasso sistemático das conferências climáticas universais nos conduz para um capitalismo de tintas cada vez mais verdes, onde a iniciativa privada e a racionalidade neoliberal despolitiza a emergência climática e monetiza a catástrofe com políticas ESG. O ativismo pontual substitui a política estrutural.    

A revolução tecnológica que começa nos anos 1980 agrava os problemas. Para Franco Berardi, o No Future dos Sex Pistols, de 1977, capta essa energia de descontentamento, que vai ganhando concretude no High Tech/Low Life da estética cyberpunk.

O mundo cyberpunk não é uma decadência, mas a plena realização dos desejos do capitalismo tardio. 

De lá pra cá, a tecnologia tem sido sinônimo de vício doentio, epidemias de problemas de saúde mental, precarização dos vínculos de trabalho e tem tido uma relação umbilical com os novos fascismos. Corporações transnacionais são mais poderosas que Estados, colocando as frágeis democracias em risco, enquanto bilionários ameaçam governos pelo twitter.
 
No eterno presente do scrolling infinito da internet, a verdade desaparece. Enquanto o discurso triunfalista de alto desempenho de coaches, adotando um estoicismo invertebrado, se alastra pelo espaço virtual, no mundo real, a população em situação de rua, vítima da desigualdade e concentração de renda inerente ao sistema, cresce exponencialmente nas grandes cidades.  

Dos murmúrios infernais das imensas fazendas de mineração de bitcoins do interior do Texas, a dramática situação de famílias que vivem debaixo das gigantes pás de captação de energia eólica no Nordeste do Brasil, a perspectiva é de “terra arrasada”, para lembrar do contra-intuitivo livro de Jonathan Crary: a manutenção da vida digital deixa um rastro de devastação material que tende a aumentar de modo cada vez mais irreversível. A corrida do ouro gerada pela expansão da machine learning agrava o problema.

Alta tecnologia. Extinção da vida.

Blade Runner (1982) foi incompreendido num primeiro momento apenas para se tornar um clássico cada vez mais atual. O ciberespaço de Neuromancer (1984), de William Gibson, passa de conceito literário à experiência empírica da vida mediada por algoritmos – máquinas oraculares do prazer e da espionagem. Blade Runner 2049 (2017) traz uma sequência de abertura com fazendas solares a perder de vista, num mundo morto entulhado de tralhas, onde um ser sintético que desperta do sono, abrindo os olhos, sai em busca de si mesmo.

Na peça R.U.R, os Robôs Universais de Rossum substituem os humanos. Não são melhores apenas para trabalhar, se organizar, se rebelar e matar, mas também são mais aptos a amar. E talvez tenhamos seres sintéticos melhores que nós ocupando o planeta, exatamente como são as fantasias de influencers de ciência: robôs antropomorfos levando a lógica da exploração e do extermínio colonial para outras galáxias. 

De minha parte, como no ótimo jogo Cyberpunk 2077 (2020), vejo mentes copiadas para dentro de espaços virtuais. Mas não qualquer mente. Nossos bons bilionários salvarão símiles virtuais de si mesmos “na nuvem”. Seu legado será eterno, como a dinastia genética de Fundação (Apple TV, 2021). Espalhando seu messianismo filantropo pelo espaço sideral.

Como disse Donna Haraway: “A fronteira entre a ficção científica e a realidade social é uma ilusão ótica”.

Mas não podemos esquecer do conceito de “mundo aberto” dos jogos contemporâneos: nada é mais cyberpunk do que a lógica da sabotagem. A invencível entropia dos bugs é sistêmica. E está sempre à espreita em quaisquer circuitos fechados.

 

* Marcos Vinícius Almeida é escritor, jornalista e redator. Mestre em Literatura e Crítica Literária pela PUC-SP, colaborou com a Ilustríssima da Folha de S. Paulo e é autor do romance Pesadelo Tropical (Aboio, 2023). www.marcosviniciusalmeida.com.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.

Edição: Nathallia Fonseca

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