Ratzinger, o papa que entregou o 3º mundo aos neopentecostais

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Houve tempos em que a Igreja católica tinha a bandeira da aproximação com o povo, levantada por João 23.

Por Luis Nassif, compartilhado de seu blog




Vatican News

Nos elogios ao papa Ratzinger, falecido ontem, o mais recorrente foi sua coragem de ter renunciado ao papado. É uma interpretação nova ao termo coragem. Ele renunciou devido ao fracasso da Igreja católica, iniciada por seu antecessor, João Paulo 2o.

É impossível a qualquer movimento religioso prosperar sem a bandeira da esperança. Os neopentecostais têm a bandeira do conforto religioso e da teologia da prosperidade.

Houve tempos em que a Igreja católica tinha a bandeira da aproximação com o povo, levantada por João 23.

Conheci de perto – e de militância – as duas igrejas, a de antes e a durante o papado de João 23. A de antes era a Igreja imperial, dos grandes jogos políticos, disputando com a maçonaria o poder federal e nas menores localidades. Os jovens eram convocados para serem Cruzados Marianos, umas concepção semi-militar.

Em Poços de Caldas era representada pelo Monsenhor Trajano Barroco, que usava o instituto da excomunhão como arma política. E obrigou meu pai a sair da maçonaria para poder casar na Igreja com minha mãe.

Era a Igreja também dos Irmãos Maristas e seus colégios com internatos. Já havia pedofilia, mas o temor reverencial despertado pela Igreja blindava todos os abusos. O mais abusador saiu consagrado de Poços, inclusive com militância política em favor do PSD, e morreu consagrado no Colégio Marista de Brasília, com todos seus crimes não saindo dos limites dos cochichos entre alunos.

Foi esse bolor pestilento que João 23 começou a espanar com suas encíclicas, espalhadas em Poços de Caldas pelas freirinhas maravilhosas do Colégio São Domingos.

De repente, a parte mais idealista dos jovens encontrava uma bandeira pela frente. No GGN, nosso grupo de ação católica, íamos conhecer de perto a realidade do Serrote, a favela mais pobre de Poços. Levávamos alimentos, ajudávamos nos mutirões para a construção de casas, e levávamos a mensagem de João 23 aos desassistidos.

Nas missas, os rituais em latim foram substituídos pelo português. Os celebrantes deixaram de celebrar de costas para os públicos. E renovaram-se as músicas. Cantei, cantei e cantei, em missas, casamentos, em Poços, em Santos, cantigas como “Andança”, “Morrer de Amor”, “Canção do Medo”.

De repente, tudo afundou. O Relatório Rockefeller, de 1969, apontando a Teologia da Libertação como ameaça aos Estados Unidos, o pacto infame entre João Paulo 2o e o governo Reagan, tudo isso pode ser lido no “Xadrez das insurreições bolsonaristas”. A Igreja, perto do povo, acabava com o temor reverencial e inibia a atuação dos padres pedófilos e das negociatas. Aliás, quem critica o negocismo dos pastores de hoje deveria ir atrás das histórias dos padres do começo do século 20, e os abusos de poder sobre fazendeiros e sitiantes crédulos.

Ratzinger foi uma continuação de João Paulo 2o. Morre como co-autor da maior derrota da Igreja católica, em um momento em que mudanças da mídia e dos hábitos preconizavam um mundo novo.

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