Por Dora Martins, Justificando –
Cara Marisa, os médicos anunciaram que você partiu, seu cérebro morreu. Assim, já liberta dos tubos e aparelhos do hospital, sei que você agora, de onde está, pode me ouvir. Saiba que tem muita mulher triste com sua partida! Você muito significou para o Brasil e para as brasileiras ao estar sempre junto ao seu marido, quando sindicalistas e presidente da república.
Porém, mais que isso, você significa a mulher brasileira, nascida em família simples, bem perto da terra e que desde jovem pegou no batente, sem medo de viver e lutar pela vida! E você viveu. E você lutou. Você foi nossa exemplar “mulher do presidente”, você bem ocupou um palácio e deu a ele um jeito de lar brasileiro. Reclamaram que você não dava entrevista. Compararam você com outra, que tinha diplomas vários. Que bobos! Nem sabem o canto que diz que “quando canta o sabiá/sem nunca ter tido estudo/eu vejo que Deus está/por dentro daquilo tudo“! [1]
E você Marisa, como toda mulher, viveu, amou e sofreu, amargou perdas, sangrou no corpo e na alma. Dizem os mais perplexos que você foi assassinada. Não por incidente aéreo qualquer, mas pela pressão que fizeram sobre sua vida, sua paz caseira, seu jeito simples de ser mãe, companheira de seu homem, amiga de seus amigos.
É verdade que atormentaram muito você! É verdade que até alguns indivíduos chegaram a vociferar contra você, sua vida e dignidade, mesmo quando você foi socorrida ao hospital! Não considere isso, querida Marisa! Estão equivocados, são néscios e mal educados, sobretudo. E, eu sei, e concordo, que este nosso Brasil anda meio sem jeito, desandado que é só, até perigoso, mesmo safado. Falam mal, julgam e condenam, sem justiça ou piedade.
Mas, o que emociona e merece celebração, Marisa, é que você, afinal, não morreu! Seu coração será doado, e você vai ficar por aqui, batendo segura num peito brasileiro. E alguma mulher ou homem irá, por mais um tempo bom, no tum tum de seu coração, reverberar você e seus sorrisos alegres, sua simplicidade de viver e mais que tudo, sua dignidade e autêntica fidelidade ao seu marido, sua família e a este Brasil, ora tão carente de afetos sinceros.
Aos que por atroz desumanidade regozijarem-se com sua partida, daremos o perdão a ser dado aos ignaros e aos brutos. E esses, querida Marisa, por certo não sabem nada de poesia, não conhecem versos e ignoram que “para isso fomos feitos: Para a esperança no milagre/Para a participação da poesia/Para ver a face da morte/De repente nunca mais esperaremos…/Hoje a noite é jovem;/ da morte, apenas/Nascemos, imensamente”. [2]
Dora Martins é juíza da Vara de Infância.
[1] do poema “Eu e meu campina”, Patativa do Assaré, 1988
[2] do poema “Poema de Natal”, Vinícius de Morais
Foto: Ricardo Stuckert/ Instituto Lula