Reciprocidade

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Por Wilson Ramos Filho, Jurista, professor e escritor, publicado em Brasil 247 – 

Coringa e Bacurau são alegorias instigantes para compreender a realidade brasileira, apesar da cultura da não-violência ter contaminado boa parte da esquerda bem-comportada

Coringa e Bacurau são alegorias instigantes para compreender a realidade brasileira, apesar da cultura da não-violência ter contaminado boa parte da esquerda bem-comportada.

Os direitos sociais (destruídos violentamente depois do Golpe de 2016) foram conquistados há um século rompendo a legalidade da época. Os Direitos são frutos da ilegalidade. Os Direitos são materializados em leis apenas depois de violentas lutas que derrotam não menos violentos processos de repressão. As leis materializam a correlação de forças, violenta, que se estabelece nas relações sociais em cada momento histórico, nunca é demais repetir.




Parte da sedizente esquerda bem-educada se opõe aos insultos dirigidos a Bolsonaro no Rock-in-Rio pregando “bons-modos” para “não nos igualarmos a eles”. Entendo as razões de quem pensa assim. Todavia, penso que a violência da resistência se justifica na violência da agressão.

Milhões de brasileiros sofreram a violência da demissão desde junho de 2013. Milhões de brasileiros sofrem a violência diária em seus locais de moradia, em suas relações com o aparato estatal e com seu seletivo, violento, Sistema de Justiça. Mas para esquerda-namastê não podem reagir com idêntica intensidade ao argumento de que “violência não leva a nada”. Dirigentes sindicais adestrados condenam a violência contra os fura-greves e contra os capatazes do capital que violentam os trabalhadores a eles subordinados. Argumentam que violência só gera mais violência. Milhões de pessoas sofrem as consequências das violentas políticas neoliberais que comprometem suas vidas e suas mortes. Mas não podem ser mal-educados, jamais! Milhões de pessoas passam necessidade como decorrência dos desmandos da Lava-Jato.

A violência inerente ao modo de produção capitalista está sendo normalizada. No máximo as vítimas da violência podem recorrer a pacíficas manifestações que não transgridam a legalidade ou ingressar com uma ação judicial, entregando a um representante togado da Direita Concursada a “civilizada solução da controvérsia”.

Nenhum dos direitos que estão sendo destruídos foi conquistado sem romper a legalidade, sem alguma dose de violência a pessoas ou a bens. Nenhum desses direitos será reconquistado com bom-mocismo e com bons-modos.

A esquerda pacifista, entretanto, segue insistindo na cultura da paz buscando no diálogo racional uma fantasiosa concórdia com nossos algozes. Essa esquerda achou “desnecessária a violência” no filme Bacurau, e não pretende assistir o filme Coringa por ser “violento demais”, segundo ouviram dizer. Sequer podemos dizer o “faz arminha que passa” aos apoiadores da lava-jato que perderam o emprego ou aos empreendedores bolsonaristas que fecham estabelecimentos que prosperaram enquanto vivíamos em um regime democrático.

Impõem-nos a paz sem se perguntar a quem interessa essa paz defendida com fofos apelos generosos ao perdão, à temperança e à conciliação de classes.

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