Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, Bem Blogado
Está todo mundo cansado depois da intensa batalha dos últimos seis anos, principalmente desde Bolsonaro. É fato, muita gente esteve o tempo todo no front, muitas vezes sacrificando família, emprego, lazer e convivência com amigos. Ganhamos a batalha, e devemos comemorar bastante. Merecemos. Mas lamento opinar que a partir de janeiro o descanso termina.
Os dias decorridos desde a vitória de Lula no segundo turno mostram que a vida do novo governo não será fácil. Nem se compara com a transição depois do primeiro triunfo do petista, em 2002.
Por mais que Fernando Henrique Cardoso mereça críticas pelos seus governos, a verdade é que houve uma transição civilizada, com a colaboração dos que saiam.
A situação econômica do Brasil também era substancialmente melhor do que a que deixa Paulo Guedes. A fome e todas as outras desgraças voltaram.
Mas existe, para piorar, um fato novo. Não havia no Brasil, em 2003, uma extrema-direita organizada e com forte base social. O adversário do setor popular estava situado no terreno do que hoje podemos chamar de direita democrática, a convencional. Ela e o centro praticamente desapareceram no espectro político brasileiro, foram engolidos pelo fascismo.
Não havia também a sem-cerimônia de setores anacrônicos das Forças Armadas. Melhor escrevendo, eles existiam mas não ousavam se manifestar politicamente devido ao desgaste que sofreram depois do fim da Ditadura.
Estima-se hoje entre 6.500 e 8.000 o número de militares, quase todos despreparados, que ocupam cargos de natureza civil na administração federal. Isso não era imaginável no governo FHC, tampouco o peso de pastores evangélicos picaretas e reacionários.
Todos os fatores acima de dificuldades ganham ainda ajuda com o cerco que a elite brasileira, principalmente a econômica, está tentando impor a Lula desde agora.
O tal mercado quer a manutenção de sua agenda e vale-se para isso com o barulho já provocado pela mídia hegemônica.
Não, a vida de Lula não será fácil e ele mais do que ninguém sabe disso. Tanto que vem desde a campanha alargando seu arco de sustentação.
A eleição de uma maioria sólida de direita e extrema-direita na Câmara e Senado provou que as forças progressistas não teriam forças para, sozinhas, imporem o ritmo que as demandas sociais exigem após 6 anos de aperto nos mais vulneráveis.
Por tudo isso, fora a horda de malucos fanáticos que baba na porta dos quartéis instigando os milicos fascistas ao golpismo. Lula não pode depender só de acordos no Parlamento.
Estamos desacostumados, mas teremos que fazer manifestações de rua massivas em defesa de projetos e ideias sempre que elas enfrentarem oposição consistente da direita e da mídia.
Lula vai bater de frente com uma oposição feroz e o campo progressista não poderá acreditar que bastou elegê-lo pelo voto.
A falta de resistência ao golpe contra Dilma é recente e não podemos repetir o equívoco da inação.
O governo politicamente será obrigado a alargar sua base. É do jogo parlamentar desde sempre. Mas é imprescindível que exista a compreensão de que as organizações da sociedade civil, os sindicatos e todas as forças que clamam por mudanças de fato não poderão apenas testemunhar o andar do governo Lula.
Os inimigos são mais poderosos hoje é o grau de confronto será maior. O golpe contra Dilma já mostrou que passividade não garante sustentação a uma administração progressista no Brasil.
Sim, não nos iludamos, o governo Lula não dependerá não só dele e de articulação política. A participação da esquerda será fundamental para a trajetória.
Precisamos recuperar de vez as ruas. Não serão quatro anos de passeio.