Recursos recordes, medalhas incertas

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Ainda adolescente, em meados da década de 1980, a menina Hélia Rogério de Souza Pinto saía diariamente de casa, no bairro de Lauzane Paulista (zona norte de São Paulo) e gastava três horas rumo à escola, no bairro de Santo Amaro, na zona sul.

Por Guilherme Meirelles, compartilhado da Revista PB




Depois das aulas, seguia, com a inseparável mochila, para o Centro Olímpico, no Ibirapuera, e lá treinava com afinco nas quadras de vôlei. A rotina durou dois anos, até Hélia ser descoberta por um olheiro e encaminhada à equipe de voleibol do Pão de Açúcar Esporte Clube (atualmente, Grêmio Osasco Audax), em que ganhou o apelido de “Fofão” e iniciou uma das mais brilhantes carreiras do esporte no Brasil, que inclui as medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de Pequim (2008) e de bronze nas edições de Atlanta (1996) e Sydney (2000).

“Não havia clubes formadores nem verbas de apoio. Hoje, seria praticamente impossível alguém cumprir uma jornada semelhante visando a resultados de ponta. Ainda falta estrutura de base e há dificuldade de apoio da iniciativa privada”, afirma Fofão, hoje treinadora da seleção brasileira sub-17, que ocupa um moderno centro de treinamento, em Saquarema, no Rio de Janeiro, mantido pela Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) graças ao patrocínio do Banco do Brasil e de empresas parceiras, como GOL, Enel e Riachuelo.

A partir do dia 26 de julho, 277 atletas — 153 mulheres e 124 homens, a primeira vez na história em que a delegação conta com mais atletas mulheres — participarão dos Jogos Olímpicos de Paris em 39 modalidades, com o objetivo de melhorar a posição do Brasil no ranking global de medalhas. Desde a edição da Antuérpia (1920) até a de Tóquio (2021), o País conquistou 150 medalhas olímpicas, das quais 37 são de ouro, o que o coloca na 32ª colocação do ranking geral, a quilômetros de distância dos líderes: Estados Unidos (2.636 medalhas), União Soviética/Rússia (1.010), Reino Unido (916), China (634) e França (764), e atrás de países com dimensões geográficas bem inferiores, como Cuba, Finlândia e Romênia. No caso do Brasil, as modalidades que mais deram medalhas são o judô (22 medalhas, sendo 4 de ouro), a vela (18, com 7 ouros), o atletismo (17, com 5 ouros), a natação (14, com 1 ouro) e o vôlei de praia (13 medalhas, das quais 3 são de ouro). 

Diretor-geral do Comitê Olímpico do Brasil (COB) e campeão olímpico de judô em Barcelona 1992, Rogério Sampaio admite a distância dos primeiros colocados, mas percebe avanços. “O País, hoje, figura entre as maiores potências do esporte olímpico, mas dentro do bloco de 15 países que formam o ‘segundo pelotão’. Em Tóquio, terminamos na 12ª colocação no quadro de medalhas, à frente de países com investimentos maciços no esporte, como Espanha, Nova Zelândia, Hungria e Coreia do Sul”, afirma. 

O salto estrutural veio com a edição da Lei Agnelo/Piva, sancionada em 2001 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso — 87 medalhas olímpicas foram conquistadas após a norma entrar em vigor, a partir de Atenas (2004). A lei determina que 2% da arrecadação bruta de todas as loterias federais sejam destinadas ao COB e ao Comitê Paralímpico do Brasil (CPB), ambas organizações não governamentais de direito privado autorizadas e fiscalizadas quanto aos repasses feitos às confederações de cada modalidade. Para este ano, diz Sampaio, o repasse do COB às confederações de modalidades olímpicas que irão a Paris foi de R$ 250 milhões, além de R$ 311 milhões em programas de preparação e desenvolvimento.

Em busca do ouro

Para quem sonha com uma medalha, é fundamental conseguir uma bolsa. Lançado em 2005, o programa Bolsa-Atleta, da Caixa Econômica Federal, é o principal patrocínio individual a atletas de alto rendimento. O investimento para 2024 é de R$ 148,9 milhões a 8.716 atletas contemplados. Os valores mensais variam a partir das categorias atletas de base e estudantil (R$ 370/mês), atletas olímpico e paralímpico (R$ 3,1 mil) e pódio, com bolsas entre R$ 5 mil e R$ 15 mil, conforme o desempenho. Segundo a assessoria de imprensa do Ministério do Esporte, nos Jogos de Tóquio, 19 dos 21 pódios foram de atletas contemplados. Na versão paralímpica, o Bolsa-Atleta participou com 68 das 72 medalhas. “Nas conquistas olímpicas, apenas o futebol e a esqueitista Rayssa Leal, por ter 13 anos à época, não fizeram parte do programa”, afirma a assessoria.

Após cinco anos afastado dos patrocínios, os Correios retornaram, em 2024, com uma verba de R$ 7,5 milhões para a Confederação Brasileira de Ginástica (CBG) e para a Confederação Brasileira de Desporto Universitário (CBDU). “A retomada é para fortalecer a nossa imagem no apoio ao esporte, política que foi abandonada na gestão passada”, afirma Fabiano Silva dos Santos, presidente da estatal. Durante quase 30 anos, os Correios foram patrocinadores oficiais de esportes aquáticos, período em que o Brasil conquistou 14 medalhas olímpicas, 10 delas de atletas apoiados pela empresa, como Gustavo Borges, Fernando Scherer (Xuxa) e Cesar Cielo

Para Cacá Bizzocchi, ex-membro das comissões técnica das seleções feminina e masculina de vôlei e comentarista especializado da BandSports, falta paciência e disposição para pensar no longo prazo, principalmente no caso do vôlei. “Conquistar um título nacional exige investimento mínimo de R$ 15 milhões, mas o calendário vai de outubro a abril, e os principais atletas são convocados para a seleção, que tem mais visibilidade. Isto é, o patrocinador fecha um contrato anual e o jogador aparece mais com a marca do Banco do Brasil na seleção”, afirma. Bizzocchi cita como exemplo o fim da parceria do time feminino de vôlei, em 2021, mantido pelo São Paulo e a prefeitura de Barueri, que era comandado pelo técnico campeão José Roberto Guimarães. “O São Paulo simplesmente se desinteressou”, lembra.

Segundo Amir Sommogi, sócio da consultoria Sports Value, não há um programa estrutural que contribua para a massificação da prática esportiva e detecte novos talentos fora dos principais centros urbanos. “A Rio 2016 consumiu quase R$ 60 bilhões [R$ 85 bilhões, em valores atualizados] em infraestrutura esportiva e não deixou um legado para a formação de novos talentos. No Brasil, todas as escolas tem quadras para basquete, vôlei, handebol e futsal, que ainda não é olímpico, mas pode se tornar”, reforça o empresário.

Da base ao pódio 

Para além do alto alto desempenho, que considera as medalhas como métrica de sucesso, investir no esporte é relevante para a sociedade como um todo. O incentivo à prática traz benefícios à saúde geral da população, além de ensinar conceitos de disciplina e cooperação e revelar talentos. Um exemplo disso é o Reino Unido, que, com o objetivo alcançar a melhor marca histórica, nos Jogos de Londres 2012, investiu por 20 anos nas modalidades com mais potencial, como ciclismo, ginástica olímpica e atletismo. Situação essa um pouco diferente por aqui. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 38% da população brasileira faz algum esporte regularmente. Para se ter ideia, uma mulher sueca pratica esporte três vezes mais que a brasileira. 

Contudo, não é só de clubes e centros esportivos que vive o esporte, seja o profissional, seja o amador. “O trabalho dos clubes é pontual em determinadas modalidades, casos do Flamengo, na ginástica; do Fluminense, com o polo aquático; do São Paulo, no basquete; e do Minas Tênis Clube e do Pinheiros, na natação. Mas a grande referência nacional em formação nos esportes de alto rendimento é o Serviço Social da Indústria no Estado de São Paulo (Sesi-SP), principalmente com o programa Pedagogia do Exemplo”, afirma Ary José Rocco Júnior, professor de Gestão do Esporte na Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP). 

Com 56 unidades distribuídas no Estado, o programa Pedagogia do Exemplo fomenta, entre os alunos, um código de ética apresentando a biografia de diversos ídolos, com o intuito de desenvolver uma consciência sobre a importância do esporte como um fator transformador na vida. Além disso, desde 1991, o Sesi mantém o projeto Sesi-SP Atleta do Futuro, dedicado a crianças e jovens de 6 a 17 anos, formado por parcerias com prefeituras, ONGs, clubes e instituições privadas. Dados da entidade apontam que, em 2019, foram atendidos 156 mil alunos em 219 municípios, além de 1.147 professores atuando em 33 modalidades. 

Há, ainda, o programa Rendimento Esportivo, lançado em 2008, voltado a esportes de alto rendimento. O projeto já formou mais de 600 atletas em 17 modalidades olímpicas e oito paralímpicas. Segundo acompanhamento da entidade, 50% dos atletas das equipes do gênero no Brasil são formados nas categorias de base do Sesi-SP.

Para as próximas edições, Rocco Júnior percebe uma tendência do Comitê Olímpico Internacional (COI) de atrair um público mais jovem por meio da inclusão de modalidades não tradicionais, como ocorreu com o esqueite e o surfe, em Tóquio, e, agora, com o breaking, em Paris. “Os grandes eventos se enquadram, cada vez mais, no conceito de entretenimento. Há uma quebra no modelo tradicional, e o capital acompanha esse movimento. Quem sabe não teremos uma celebridade do dia para a noite com a introdução da modalidade?”, indaga o professor.

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