Reflexões para enfrentar o mês de agosto

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Por Miguel do Rosário, em O Cafezinho – 

Cá estamos, meus amigos e minhas amigas, mergulhados numa das mais sombrias crises políticas dos últimos anos. Entretanto, de uma coisa não podemos reclamar: há muitos meses que ela se anunciava. Tudo convergia para agosto e tudo foi se convergindo para agosto.

Todos os movimentos da oposição, todas as conspirações, todas as agendas anti-governo, foram se concentrando em agosto.




climerio17A crise, porém, é como a morte. Mesmo sabendo que ela virá, sempre nos surpreendemos com sua chegada.

A nossa crise é particularmente grave porque se mistura a uma onda reacionária, com aumento de linchamentos físicos, sectarismo político, intolerância religiosa, na contramão de uma série de avanços tecnológicos e culturais proporcionados pela revolução informacional iniciada pela internet.

Eu quero propor algumas dicas de sobrevivência a crise. Antes, porém, é necessário fazermos algumas reflexões sobre suas causas.

A mídia e seus tentáculos conspiradores dentro do Estado tentam nos asfixiar de todos os lados, inclusive desqualificando os meios de informação que não obedecem às suas pautas.

A Globo é flagrada numa operação de evasão fiscal de centenas de milhões de reais. A RBS está igualmente envolvida num esquema pesadíssimo de corrupção tributária, na operação Zelotes, mas todos eles se protegem, se blindam.

A Veja é flagrada fazendo ações em conjunto com um notório contraventor, o bicheiro Carlinhos Cachoeira, combinando matérias, espionando pessoas, invadindo quartos de hotel, além do hábito desagradável de mentir semanalmente.

E nada se faz contra esses meios de comunicação, consolidados e enriquecidos às custas da ditadura, das crises econômicas, da legitimação da iniquidade social, dos favores políticos, do entreguismo aos interesses estrangeiros.

Ao invés disso, a oposição ataca sites e blogs do campo progressista, nascidos da mais absoluta necessidade democrática de existir um contraponto à mídia corporativa.

O Partido dos Trabalhadores, por sua vez, paga o preço de não ter erguido a bandeira da democratização da mídia. Até hoje é uma bandeira que o partido não assimilou, visto que nenhuma de suas prefeituras, governos estaduais, além do governo federal, promovem qualquer política pública efetiva para promover um sistema de comunicação mais democrático e menos vendido aos interesses obscuros das oligarquias locais e nacionais.

A corrupção, a confusão ideológica, a falta de estratégias, a covardia, a escassez de quadros, todos esses problemas estão ligados, organicamente, ao grande vazio de comunicação do Partido dos Trabalhadores, da esquerda em geral e do governo.

Tentarei explicar porque ponho a comunicação como origem de quase todos os nossos problemas:

1) A comunicação, jogando luz sobre os bastidores das políticas públicas é o melhor remédio contra a corrupção. Me arriscaria mesmo a dizer que é o único. Somente um rígido controle social sobre uso do dinheiro público, mediante uma comunicação transparente, teria o poder de desinfetar a corrupção, que é infelizmente uma praga inerente ao poder. Nenhum partido, força política, corrente ideológica, pode jamais pretender estar imune à corrupção. E possivelmente o udenismo do PT acabou por trazer mais corrupção para dentro do partido, porque o udenismo, ao se pretender acima do bem e do mal, dispensa a adoção de mecanismos eficazes de combate à corrupção. O PT não soube lidar com a corrupção de seus membros. Ao identificar, corretamente, que seus inimigos faziam uma crítica hipócrita à corrupção dentro do PT, os petistas colocaram de lado o problema, como se fosse uma acusação absurda. E acabou por perder, miseravelmente, a batalha da narrativa da corrupção.

Não se discutiu também a questão do uso da política para se ganhar dinheiro, como fez José Dirceu. Não é crime, mas isso deveria ser discutido de maneira transparente, porque vivemos num país onde a maioria das pessoas ainda é muito pobre, e um partido de esquerda com perfil de massa tem de enfrentar a questão do enriquecimento pessoal de maneira muito mais transparente do que qualquer outro partido. Evidentemente que, num país capitalista, não podemos criminalizar a busca da liberdade econômica. Seria ridículo ainda proibir pessoas de esquerda de serem empresários, consultores, industriais. Até banqueiros podem ser de esquerda. Fernando Pessoa criou, por exemplo, o personagem do banqueiro anarquista. Na Índia, há o caso famoso de um banqueiro que ficou milionário com uma estratégia de fazer pequenos empréstimos a juro baixo. Era também um banqueiro de esquerda. O campo da consultoria internacional, por exemplo, onde Dirceu operava, me parece um setor natural para figurões aposentados da alta política. No mundo inteiro é assim. Mas tudo isso tem de ser feito com transparência e comunicação inteligente, em se tratando de figuras públicas, a cuja imagem se cola a imagem de todo um partido, de todo um campo político. Qual o faturamento de empresas de consultoria internacionais?

2) A confusão ideológica também reflete, obviamente, uma comunicação pobre. Para nos posicionarmos ideologicamente, precisamos de modelos. O PT nunca discutiu com a sociedade, de maneira transparente, democrática, aberta, as suas posições ideológicas. Nunca as expôs ao sol da crítica pública, como fizeram os governos da Venezuela, Bolívia, Equador, nos quais as transformações políticas e os avanços constitucionais foram discutidos abertamente nas ruas, nas academias, em toda parte. Afinal, a que correntes de ideias se filiam o PT e os presidentes da república? Quais os modelos preferidos? Suécia? França? Argentina? Venezuela? Na medida em que a imprensa conservadora não promove esse tipo de discussão, caberia às forças políticas criar instrumentos para que esse debate acontecesse de maneira permanente. Para isso serviriam mais jornais, revistas, blogs e sites do campo progressista. A confusão ideológica favorece, naturalmente, o conservadorismo, porque ele tem hegemonia na produção de material simbólico. Se o deixarmos sozinho, ele cresce na sociedade, como cresceu nos últimos, em alguns momentos de maneira silenciosa; em outros, como hoje, fazendo barulho.

3) É um tanto assustador a ausência de um planejamento estratégico integrado em nosso país. Assusta ainda mais a falta de um simples debate neste sentido. Em se tratando de um país em desenvolvimento, essa é uma falha grave do governo. Como enfrentaremos o futuro sem planejamento? Sem discutir, coletivamente, as estratégias de desenvolvimento tecnológico, social e econômico? A falta de comunicação neste sentido produz uma sensação de caos, descontrole e fragilidade. E dá brechas para que setores do Estado, como vemos agora com a Lava Jato, atuem no sentido de destruir o próprio país. Tínhamos de organizar conferências regulares, públicas, sobre planejamento estratégico, com a presença da presidente da república, governadores, grandes empresários, bancos, membros do Ministério Público, do Judiciário, da academia, dos sindicatos e movimentos sociais, para discutirmos coletivamente as nossas prioridades. Conversando ontem com um especialista em China, falávamos sobre a nossa absurda dependência do Tesouro federal para levarmos adiante obras estruturantes nas cidades. Na China, há bancos municipais e regionais, que financiam as obras de infra-estrutura locais. Aqui, o neoliberalismo vendeu os bancos regionais a custo zero para o grande capital, que não tem interesse em financiar nada. Não seria o caso de criarmos fundos municipais e regionais?

4) A covardia se tornou um problema político. Ela também nasce da comunicação, visto que os membros de governo e partidos se acovardam diante do sentimento de vulnerabilidade. A mídia é uma arma, e a partir do momento que governo e partidos governistas não tem arma, eles são frágeis. O elo mais frágil dessa equação é o indivíduo, o funcionário de governo ou partido, cuja vida e liberdade estão expostos a todo o tipo de arbítrio patrocinado por setores autoritários do Estado e pela imprensa.

5) A escassez de quadros. Outro problema que tem origem na comunicação, visto que não tem sentido haver falta de quadros num país com 202 milhões de habitantes e uma vida democrática relativamente livre. Os partidos políticos brasileiros se fragilizaram. O PT, por exemplo, paradoxalmente, enfraqueceu-se com as vitórias eleitorais, porque seus melhores quadros migraram para o governo ou parlamento, deixando o partido sem cérebros. O mesmo problema se repetiu nos grandes sindicatos e centrais. Resultado: o partido foi entregue a figuras sem expressão, ou de formação política duvidosa. Por quanto tempo, por exemplo, André Vargas foi secretário de comunicação do partido? Fragilizado, sem comunicação, o partido perdeu suas bases e hoje encontra enorme dificuldade para encontrar quem o defenda entre seu próprio eleitorado.

Dito isto, segue minha pretensiosa sugestão para sobrevivermos à crise:

Evite qualquer contato com a mídia tradicional. Não prego que as pessoas se mantenham desinformadas. A informação nos chega, por todas as partes, via redes sociais. Se quer entrar num portal de notícias, acesse a Reuters Brasil, a BBC Brasil, o El País Brasil, aAgência Brasil, a Agência Câmara, a Agência Senado. Crie uma conta twitter, siga as pessoas certas, que lhe permitam um filtro mínimo das notícias. O importante é procurar não se deixar intoxicar pelas sinistras manipulações da informação que vemos na mídia convencional. E acesse os blogs, claro!

Se tivéssemos, lá atrás, criado políticas públicas ousadas para estimular o aparecimento de mais blogs políticos, em todas as cidades e estados, teríamos um debate hoje muito mais diversificado, e não teríamos esta sensação horrível de cerco.

O PSDB não comete esse erro. Os tucanos fazem de tudo para fortalecer os órgãos de comunicação com os quais tem afinidade política: compram milhares de assinaturas da Veja, Folha, Globo, anunciam, subsidiam diretamente.

Esse talvez tenha sido o maior erro do governo, e pelo qual ele paga mais caro: despejar quase todo o dinheiro da publicidade em órgãos de imprensa de oposição.

Ao não implementar uma política pública transparente, aberta, corajosa, em prol da diversidade, o governo alimentou os corvos que hoje querem devorar seus olhos.

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