Reflexões poéticas de uma noite doída

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Por Graça Lago, jornalista*
Estava tão triste, tão mexida, que decidi tomar um uísque solitário no bar do Zé. Ninguém é de ferro.
“Partem tão tristes, os tristes,
tão fora de esperar bem
que nunca tão tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.”
Fui, com todos os protocolos que os tempos nos impõem – máscara, álcool em gel, distanciamento… “Dicem que la distancia es el olvido” canta a lembrança na minha cabeça.
A reta final de campanha sempre dá um frio na espinha, uma urgência, muitas necessidades. Na pandemia, é o absoluto desconhecido. Há propagandas que me apavoram… vai que dá um Witzel novamente … e lá vem mais “um sonho dantesco, o tombadilho”. Toc, toc, toc.
Vamos costurando esperanças coletivas, enquanto carecemos tanto de esperanças pessoais.
“Solidão é lava que cobre tudo
Amargura em minha boca
Sorri seus dentes de chumbo”
Tenho imensa saudade de aglomerações –
“Eu quero é botar meu bloco na rua”.
A Covid bloqueia. Os fascistas avançam. Jamais imaginei nada parecido.
Na volta pra casa, também solitária, a moradora de rua me pede… água. Ela só quer água. 17 mil pessoas nas ruas do Rio que o Crivella culpa pela pandemia.
“Traga-me um copo d’água, eu tenho sede.”
Chego em casa e, no conforto de um lar que pode não ser dos melhores, mas nos abriga, sento em frente ao computador e escrevo:
“Viver é muito perigoso… Porque aprender a viver é que é o viver mesmo.”
Sigamos. Vamos em frente.
CITAÇÕES, PELA ORDEM
Trova de João Ruiz de Castello-Branco – 1516
Trecho de La Barca, de Roberto Cantoral García – década de 1960
Trecho de O Navio Negreiro – Castro Alves – 1868
Verso de Dança da Solidão – Paulinho da Viola – 1972
Eu quero é botar meu bloco na rua – Sérgio Sampaio – 1973
Tenho sede – Dominguinhos e Gilberto Gil – 1975
Guimarães Rosa – Grande Sertão: veredas – 1956
*Graça Lago, um mar de solidariedade, é amiga do Bem Blogado.  Filha do grande compositor, ator e escritor Mário Lago,  Graça trabalha com o vereador Reimont, do município do Rio de Janeiro. Os dois se identificam em todas as virtudes.
Perdão pela ousadia em entrar na sua noite doída, Graça, mas ouso nela incluir Erico Verissimo, num trecho do seu livro “Noite”:
“Olhou em torno e não reconheceu nada nem ninguém. Estava perdido numa cidade que jamais vira. Recostou-se a um poste e ali ficou a sacudir a cabeça de um lado para outro, como para dissipar o nevoeiro que lhe embaciava as ideias.

De olhos cerrados, procurava desesperadamente lembrar-se, e esse esforço lhe atirava o espírito em abismos vertiginosos, em sucessivas quedas no vácuo. (…)

Estendeu-se no chão, abriu os braços e ficou a respirar fundo, a olhar primeiro o céu nublado e depois, cerrando os olhos, o vazio da própria mente.

Doíam-lhe as costas e as pernas. O melhor  era não pensar, mas, dormir, dormir…”

Capa da postagem: obra de Enio Squeff, da série “Noturnos da Vila Madalena”.

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