Por Carlos Eduardo Alves, jornalista, para o Bem Blogado
O campo progressista tem acumulado tantas derrotas no Brasil que até um triunfo extremamente significativo passa em branco no cenário desolador. Sim, é preciso valorizar a derrota do governo golpista, e mais ainda a vitória da civilidade, na tentativa de retirar direitos via a chamada Reforma da Previdência.
As esquerdas perderam muito desde o golpe contra o governo Dilma. Retirada de direitos trabalhistas, atuação seletiva e despudorada do Judiciário, entrega de patrimônio público, condenação de Lula…
Reveses relevantes, que não ser ignorados. Mas naquilo que era mais significativo para a direita e seu mercado, depois da inabilitação eleitoral de Lula, foi derrotada. Não conseguiu aprovar as mudanças que eram vendidas, por seus porta-vozes na mídia e em caríssimas campanhas publicitárias, como a peça mais importante do tabuleiro econômico dos espoliadores.
E uma boa parte do resultado pode sim, sem ufanismo, ser creditada à ação conjunta dos movimento sindical e social organizados.
Desde a greve geral do ano passado até a incessantes atos em defesa do direito intocável à aposentadoria, as esquerdas conseguiram capitalizar a insatisfação dos estratos que seriam atingidos pelas medidas propostas pelo governo vampiresco.
É certo que a direita, principalmente a fisiológica, não teve coragem de votar contra os direitos por medo de retaliação na urna em outubro. Mas muito da difusão e esclarecimento sobre o que se jogaria no lombo dos trabalhadores deveu-se aos esforços do campo popular organizado.
Não é uma vitória de Pirro, mesmo se sabendo que uma estratégia possível do mercado é forçar a votação no Congresso após as eleições gerais, quando parlamentares velhacos, em fim ou não de mandato, podem ser mais suscetíveis ao canto da sereia endinheirada. Mas não será tão simples.
O tema Previdência provavelmente será o central da campanha presidencial. Os candidatos terão que explicitar o que propõem e dificilmente a maioria do eleitorado dará aval a uma proposta tão impopular.
A propósito, vale apelar à observação feita nesta terça-feira (27) por Fernando Henrique Cardoso. Apesar de seus reconhecidos laços com o setor financeiro, FH acha que um concorrente que defender as ideias do mercado será derrotado nas urnas.
Enfim, essa mercadoria não pôde ser entregue pela cleptocracia do Palácio do Planalto. Não essa. E o que isso pode significar em um futuro imediato, no ano em que o calendário voa até outubro? Não existe certeza alguma no cenário eleitoral.
O campo progressista vive uma situação difícil, não se pode negar, mas o jogo não está jogado. Muito longe disso. Assim como era previsível que, das reformas ceifadoras de direitos que foram propostas, a da Previdência seria a que mais enfrentaria resistência popular, por afetar mais diretamente o cotidiano das famílias, é possível apostar que a discussão econômica terá papel importante na campanha.
A direita, com seus Bolsanaro e Temer, tenta surfar na agenda da insegurança, que de fato tem apelo popular. Cabe a quem se candidatar pelas esquerdas não ignorar o fato.
Cumpre-se, portanto, explicitar um programa para a área que não se resuma ao de sempre, ou seja, atribuir tudo à desigualdade social. É de fato o principal fator da crise de violência, mas não se pode achar que o problema será resolvido ou mesmo minorado sem atacar a corrupção policial que atua em parceria com o crime organizado, a necessidade de uma política contemporânea que abarque a questão das drogas, o investimento em inteligência etc.
Sem fugir do tema segurança e nem renunciar a assumir bandeiras que não contem com a adesão momentânea da população, o eixo de qualquer plataforma progressista tem que ser fincado no terreno econômico, no emprego, em avanços sociais.
A discussão do quesito, além de fundamental na vida das pessoas, favorece o campo popular até pelo cotejo dos dois governos Lula com a barbárie social promovida pelos que golpearam Dilma.
Tudo pode acontecer nos próximos meses no Brasil, para o bem ou para o mal. Só um charlatão poderia cravar qual cenário prevalecerá. Mas a derrota da proposta vampiresca sobre Previdência mostra que os percalços não são exclusividade das esquerdas. Como se diz no popular, “não está fácil para ninguém”.
Não é hora de desânimo.
Foto: Lula Marques