Em entrevista ao Brasil de Fato, especialista em educação aponta que as mudanças vão ampliar a desigualdade
Poe Nara Lacerda, compartilhado de Brasil de Fato
A partir deste ano, gradualmente até 2024, começa a ser aplicada em todo o Brasil a reforma do ensino médio, proposta e aprovada durante o governo de Michel Temer (MDB).
No papel, de acordo com o Ministério da Educação, o chamado Novo Ensino Médio (NEM) amplia “o tempo mínimo do estudante na escola de 800 horas para 1.000 horas anuais (até 2022)”.
Ainda de acordo com as definições da pasta, a nova organização curricular é “mais flexível”, oferece “oferta de diferentes possibilidades de escolhas aos estudantes” e “aproxima as escolas à realidade dos estudantes de hoje, considerando as novas demandas e complexidades do mundo do trabalho e da vida em sociedade”.
Na prática, o ensino médio terá uma etapa direcionada à Base Nacional Curricular e horas dedicadas aos chamados itinerários formativos, “conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho”, segundo o Ministério da Educação.
Para o pesquisador de políticas educacionais e professor da Universidade Federal do ABC (UFABC), Fernando Cássio, o discurso de modernização esconde uma visão elitista da educação. “Não tem uma intenção de reformar profundamente aquilo que precisa ser reformado”, considera.
Cássio aponta que a ênfase na reforma do currículo, de maneira equivocada, coloca no conteúdo a responsabilidade dos problemas que jovens enfrentam no mundo do trabalho.
“O diagnóstico é o de que a culpa por esse fenômeno social é da escola e do currículo da escola. Ninguém está discutindo o que produz o fato de você ter uma grande massa de jovens que estão em uma espécie de limbo. A pobreza, a fala de política pública de permanência na escola. Não tem política de reforma profunda, melhoria real dos salários dos professores, melhoria da escola”, alerta ele.
Liberdade de escolha?
A defesa das mudanças no ensino médio aposta principalmente em um discurso que promete estimular o “protagonismo juvenil”, contribuir para “maior interesse dos jovens em acessar a escola” e desenvolver o “projeto de vida dos estudantes”.
Fernando Cássio afirma que as promessas de liberdade de escolha e qualificação para o mercado de trabalho ignoram realidades sociais e estruturais. “Existem estruturas sociais, existem relações de poder”, reforça.
O especialista aponta que a simplificação da formação escolar e o estreitamento do currículo vão atingir estudantes mais pobres de maneira perversa e “dar menos escola para quem mais precisa de escola”.
Enquanto ainda estava em discussão no Congresso Nacional, a reforma do ensino médio foi alvo de protestos, principalmente por parte de estudantes secundaristas. Com a aprovação, há iniciativas também no parlamento para que o início do processo seja adiado e não aconteça durante a pandemia.
Cássio acredita que, ainda assim, a reação dentro das escolas será essencial para combater o desmonte.
“O que a reforma do ensino médio faz é tirar a centralidade do conhecimento da escola, tentar minar o desejo de jovens por conhecer. Por isso que ela ataca, principalmente, o conhecimento. O que a comunidade escolar pode fazer é continuar desejando o conhecimento. É a vontade de conhecer que vai produzir alguma resistência das escolas”, conclui.