Reforma trabalhista o que deveria ser um amplo diálogo social, mais parece um filme de terror

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Por Clemente Ganz Lúcio, Justificando/Carta Capital – 

O projeto de reforma trabalhista, apresentado pelo Executivo, serviu de pretexto para que fosse implementada uma ação ousada de destruição do direito coletivo e individual do trabalho e de desmonte do sistema de relações do trabalho, construído, renovado e atualizado ao longo do último século. O deputado federal Rogério Marinho, relator da Comissão Especial que analisou o projeto, apresentou uma nova versão da reforma e foi sobre ela que a Câmara deliberou. A proposta é um roteiro de filme de terror, com potencial para instaurar pânico e horror entre os trabalhadores. Infelizmente não é peça de ficção e procura responder a interesses concretos.

O projeto altera mais de 100 artigos e outros 200 dispositivos da CLT – Consolidação das Leis do Trabalho. Amplia ao limite da Constituição a possibilidade de reduzir direitos trabalhistas por meio dos sindicatos, dos representantes no local de trabalho e até do próprio trabalhador.




Pela proposta, não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade. Apesar de (ou em razão de) os sindicatos protegerem a todos os trabalhadores por meio de convenções coletivas e acordos, com a nova redação, criam-se severos constrangimentos ao financiamento sindical e à liberdade individual. Os trabalhadores poderão eleger comissões por empresa, nas quais fica proibida a participação sindical. Essas comissões terão poder de negociação e de quitação de débitos trabalhistas, que também poderão ser quitados pelo próprio trabalhador. O projeto dá as bases para o sindicalismo por empresa, sonho neoliberal no século XXI.

Também são legalizadas diversas práticas de precarização das condições de trabalho e de flexibilização das formas de contratação, criando-se condições de submissão real e formal dos trabalhadores às práticas de redução do custo do trabalho empreendidas por muitas empresas. No limite, o trabalhador ganha por hora trabalhada e ponto – trabalho intermitente, jornada parcial, teletrabalho, home office, terceirização, etc.

A Justiça do Trabalho é enquadrada em limites estreitos, inúmeros instrumentos cercearão o acesso dos trabalhadores a ela e limitarão o ônus máximo para as empresas.

As regras definidas pela Organização Internacional do Trabalho são violadas de tal modo, por essa iniciativa, que o Brasil assumirá o protagonismo em legislação e políticas públicas visando à produtividade espúria, orientada por práticas indecentes em termos de condições de trabalho e pela intencional busca de desequilíbrio na relação entre capital e trabalho, a favor do capital, ampliando o tamanho do precariado como nova classe social. Esse projeto transforma a CLT em legislação de proteção das empresas.

O objetivo geral é a redução estrutural do custo do trabalho, a garantia de que não haverá pressão redistributiva e que a segurança jurídica dos acordos privados, entre empresas e indivíduos ou com os sindicatos fracos, estará garantida. É uma proposta ousada, sim, porque escancara a intenção de recolocar as “coisas no devido lugar”.  Os efeitos são destrutivos, estruturais e, no longo prazo, inúmeras vezes mais drásticos e perniciosos do que os da reforma da Previdência.

Ao contrário de tudo isso, a reforma necessária começaria pelo redesenho do sistema de relações de trabalho, para o qual se fortalecem as representações das partes (capital e trabalho). Deveria buscar o fortalecimento de um sindicalismo representativo desde o chão da empresa, capaz de traduzir os interesses dos trabalhadores onde houvesse necessidade. A negociação coletiva deveria ser incentivada, sustentada e protegida em todos os níveis (local, categoria, setorial e nacional), sustentada por processos abertos de participação dos trabalhadores, conduzida por organizações fortes, representativas e financiadas pelo aporte autônomo de todos os beneficiários da proteção sindical. Os direitos definidos na legislação e nos acordos deveriam ter relação harmônica e complementar. A liberdade e a democracia deveriam ser experimentadas pelas partes na construção de relações laborais transparentes e públicas, decorrentes de decisões compartilhadas e responsáveis. Os conflitos precisam ter instrumentos para solução ágil em todos os níveis. A segurança jurídica decorre do respeito à lei e da boa-fé aplicada na relação e nos conteúdos dos instrumentos de acordo.

A reforma deveria ser resultado de amplo diálogo social, capaz de promover um acordo geral que enuncia as regras do sistema de relações de trabalho. Seria um pacto para dar um salto na qualidade das relações laborais, em sintonia com os desafios da modernidade, eficiente para colocar as forças produtivas (capital e trabalho) em condições de conduzir o país ao desenvolvimento. Uma reforma com esse sentido é parte essencial de um Projeto de Nação.

Clemente Ganz Lúcio é Diretor técnico do DIEESE.

Foto de Marcelo Camargo/Agência Brasil

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