Pelo Prof. Euzebio Carvalho, no Facebook de Eglê Kohlrausch –
Relato de minha prisão
Ontem à noite (01/11), após o término de minhas aulas, às 22h30, me deparei com a movimentação dos estudantes que, de forma legítima, manifestavam-se pacifica e politicamente em defesa da Educação Pública brasileira. Para isto, eles decretaram a ocupação da Universidade Estadual de Goiás (UEG), câmpus Cora Coralina, na Cidade de Goiás.
Percebendo a reação contrariada de alguns funcionárixs do câmpus com a ocupação, argumentei que precisávamos garantir a integridade física dxs manifestantes; que eles não eram nossxs inimigxs e que eram legítima e justa as suas reivindicações. Lembrei-lhes também que a direção do câmpus estava ciente dos acontecimentos pois já tinha repassado algumas orientações para o segurança do prédio e falado com alguns estudantes da ocupação. Portanto, não cabia a mais ninguém qualquer outro encaminhamento, principalmente, chamar a polícia. Alguns argumentaram que a ocupação prejudicaria a realização do ENEM, no próximo final de semana.
Após xs funcionárixs deixarem o prédio, foi realizada uma assembléia dos manifestantes. Na oportunidade, perguntei sobre a pertinência de minha presença entre eles (já que o movimento era dos estudantes). Ponderaram que a presença de um professor no prédio, principalmente, nas horas iniciais da manifestação, seria importante para aumentar a sensação de segurança além de que isso também favoreceria o movimento.
Decidi ficar e acompanhá-lxs. Antes do fim da assembléia, contudo, chegaram várias viaturas de polícia, fortemente armados e arrombaram o cadeado que xs estudantes tinham colocado no portão principal.
Momentos depois, os policiais impediram a entrada do colega professor da unidade que havia chegado para nos apoiar. Depois desse momento de tensão, em que o professor foi empurrado para fora, o tenente coronel Ronaldo Pereira Soares, que comandava a operação, disse que eu deveria pedir “aos alunos para saírem da unidade porque senão nós vamos conduzir todo mundo para a DP”.
Perguntado sobre o motivo daquela ação, respondeu-me que tinha recebido uma denúncia de invasão do prédio e que, naquele momento se caracterizava o flagrante do crime de esbulho possessório.
Solicitei a apresentação de algum documento que legitimasse suas ações, tanto a de entrar no prédio quebrando o cadeado quanto de nos retirar à força da UEG. Nenhum documento foi apresentado.
Recusando seu chamado para sair do interior da unidade, ele ordenou que eu fosse algemado. Um outro PM, bastante exaltado, puxou meus braços para trás e colocou as algemas. Reclamei que elas estavam me machucando e então ele apertou ainda mais, puxando-me pelo braço rumo à viatura. Disse-lhe várias vezes que estava sentindo dor. Sem qualquer resultado. Também avisei que estava sem meus documentos pessoais e pedi para pegá-los. Sobre ambas as coisas fui totalmente ignorado.
Aleguei que eu era um professor efetivo daquela instituição, um funcionário público estadual, e não um criminoso, e que portanto não se justificava aquele tratamento violento e humilhante.
Além do ódio que pairava no ar, emanado da grande quantidade de soldados que empunhavam suas armas de grosso calibre, havia naqueles policiais a satisfação e o prazer pelo exercício do poder total ao nos tratar como melhor lhes convinha, independente de qualquer bom senso ou direitos constituídos e garantidos no texto da lei.
Fui praticamente jogado num porta-malas de um ‘camburão’ sujo e apertado. Carregaram-me como um pacote de carne que deveria se amassar de um lado para o outro do porta-malas nas curvas fechadas e rápidas da viatura. Tudo era feito para machucar o meu corpo e a minha dignidade.
Chegando na delegacia, demoraram a tirar as algemas, mesmo eu argumentando que já estava dentro da delegacia. Depois de certo tempo, o policial mais graduado (seu colete à prova de balas não continha identificação) me informou que duas pessoas funcionárixs do câmpus denunciaram a invasão do prédio pelos estudantes, pedindo a intervenção da PM (não os nomearei aqui para evitar qualquer exposição desnecessária, mas seus nomes me foram dito, inclusive, perguntou se eu conheci suas funções dentro da UEG).
Logo depois chegaram os 13 estudantes. Todos os homens algemados, inclusive um que não participava da ocupação, mas que apenas filmava, pelo lado de fora, a ação da polícia.
Apreenderam todos os seus celulares. Segundos depois, um outro policial tomou de minhas mãos o celular que eu usava para informar as pessoas sobre o que se passava dentro da delegacia, expondo toda a sua ‘autoridade’ masculinamente repulsiva.
O delegado disse que depois de feito o exame de corpo de delito e registrado o Termo Circunstanciado de Ocorrência (TCO) seríamos liberadxs. Por volta das três horas da madrugada do dia de finados, fomos todos liberados com a condição de voltar as nove horas do dia 03 para prestar os depoimentos.
Muito emocionadxs com tudo, ao sair nos deparamos com uma grande quantidade de pessoas nos esperando: amigxs, professorxs, familiares e outrxs apoiadorxs. Muitos abraços e a sensação de que a luta é justa e cada vez mais necessária.
Meus punhos ainda doem e apresentam as marcas das algemas. Minha dignidade ainda está marcada com a injustiça. Mas a minha consciência, confortada pelo abraço do Rei da Justiça, diz que a nossa luta é cada vez mais necessária e correta.
E você? O que você pode fazer diante do meu relato? Da nossa experiência traumática? Procure uma ocupação. Manifeste seu apoio. Conheça os malefícios da PEC do ‘fim do mundo’ (atual 55 e antiga 241) pois ela comprometerá nossos direitos sociais básicos como a educação e a saúde, dentre outros, dificultando ainda mais nossa vida em sociedade e comprometendo a formação com qualidade crítica, reflexiva e propositiva das futuras gerações.
Todo apoio às ocupações! “Nada a TEMER, senão o fugir da luta”. #ocupatudo.
Euzebio Fernandes de Carvalho. Sou professor da disciplina de Didática e Metodologia do Ensino de História na Universidade Estadual de Goiás, câmpus Cora Coralina (Cidade de Goiás) Presidente da Associação Nacional de História, Seção Goiás (ANPUH/GO); Coordenador do Núcleo de Estudos Africanos e Afro-Diaspóricos (NEAAD); Editor da Revista Temporis[ação]; Mestre em História pela UFG; integrante do Nim Coletivo (Coletivo LGBTT+ da Cidade de Goiás), Devoto dos Orixás no Egbé Omodua Opo Odé Arole.
Eu ocupei o futuro da educação pública de nosso país.