Relatório dos holandeses não exime Prefeitura da Capital de responsabilidade na enchente

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Documento é claro ao apontar falta de manutenção dos equipamentos e que Dmae não possui um ‘sistema robustos de ação frente a emergências’

Por Luciano Velleda, compartilhado de Sul 21




na foto: Avenida Farrapos alagada no dia 16 de maio. Foto: Isabelle Rieger/Sul21

Depois de alguns dias “segurando” o relatório elaborado pelos especialistas holandeses sobre as causas da histórica enchente que inundou Porto Alegre em maio, a Prefeitura da Capital tornou público o documento na íntegra nesta segunda-feira (26). Na semana passada, o prefeito Sebastião Melo (MDB) chegou a usar o relatório para se isentar de responsabilidade com os danos causados à cidade e à vida de cerca de 140 mil pessoas diretamente afetadas pela enchente.

O uso político e eleitoral feito pelo prefeito chegou a desagradar a equipe estrangeira, que esteve recentemente em Porto Alegre para três dias de seminário com equipes da Prefeitura, do governo estadual, pesquisadores e membros do Instituto de Pesquisa Hidráulica (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Após o mal estar, o governo Melo decidiu então disponibilizar a íntegra do estudo no site do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae).

Se é verdade que os holandeses apontaram uma série de circunstâncias excepcionais que contribuíram para a terrível enchente, também isso não significa que o relatório isenta o governo municipal de responsabilidade, como o prefeito quis justificar em rede social. No documento, os membros do Programa do Governo Holandês de Redução de Risco de Desastres e Suporte a Surtos (DRRS) concluíram que entre os dias 29 de abril e 6 de maio de 2024, o Rio Grande do Sul passou por um evento climático causado por uma série de “fatores meteorológicos que se sobrepuseram de forma anômala e cujos efeitos resultaram em eventos pluviométricos sem precedentes no Estado, além de grandes inundações no Delta do Jacuí, Lago Guaíba e rios afluentes”. 

Os especialistas holandeses apontaram uma sobreposição entre três fenômenos climáticos: geração de áreas de instabilidade em grande parte do RS; chegada de uma massa de ar úmida proveniente da Amazônia; e uma frente fria proveniente do Atlântico. “Estes eventos se chocaram na porção centro norte do Estado do RS e não conseguiram se dissipar para norte devido à presença de uma massa de ar quente e seca com alta pressão localizada no centro do país. Assim, todo o volume de água ficou concentrado e precipitou em um curto intervalo de tempo e em elevadas intensidades”, explicam. 

Até esse ponto, a análise do fenômeno não traz novidade ao que já se sabia e havia sido dito por meteorologistas e pesquisadores do RS.  

Ainda na avaliação do fenômeno climático extremo, os holandeses colocam que o período entre o final de abril e o início de maio de 2024 também teve influência do fenômeno El Niño, responsável por aquecer as águas do Oceano Pacífico, contribuindo ainda mais para que áreas de instabilidade ficassem sobre o RS. “Algumas fontes indicam que as temperaturas acima da média no Oceano Atlântico, (proveniente de mudanças climáticas) também podem ter contribuído para o aumento dos volumes evaporados no Oceano e precipitados sobre o Estado”, concluem.

A inundação

Ao adentrar no diagnóstico das causas da enchente em Porto Alegre e no RS, os especialistas holandeses indicam, como fatores mais relevantes, os seguintes tópicos, no âmbito dos fatores climáticos e físicos:

  • Combinação de condições meteorológicas que se sobrepuseram de maneira anômala para gerar um evento de chuva com magnitude sem registros anteriores no Estado do Rio Grande do Sul. As precipitações ocorreram dentro de um curto intervalo de tempo gerando picos de vazões e níveis d’água muito superiores às médias históricas;
  • Estima-se que os eventos estejam associados à um Período de Recorrência superiores a 100 anos;
  • Presença de ventos de sudoeste, no sentido contrário ao escoamento, tanto no Lago Guaíba quanto na Laguna dos Patos, durante e após a ocorrência das chuvas intensas.
  • Este fenômeno reduz a capacidade de esgotamento destes corpos hídricos, represa / remansa seus volumes acumulados e mantém os níveis d’água elevados.
  • Efeitos de maré alta e remanso dos Lagos, reduzindo ainda mais a capacidade de escoamento dos escoamentos fluviais;
  •  Existência de Pontos de estrangulamento hidráulico no fluxo hídrico até o Oceano, com destaque para: i) foz do Delta do Guaíba no Lago Guaíba (área da Ponta do Gasômetro, na altura da Região Metropolitana de Porto Alegre), ii) pontos intermediários do Lago Guaíba (devido às baixas profundidades); e, iii) no seu encontro do Lago Guaíba com a Laguna dos Patos;
  • Devido à ocorrência de eventos de inundações em 2023, existe a possibilidade de que o nível de assoreamento de alguns trechos de corpos hídricos seja representativo, impactando no comprometimento parcial da capacidade hidráulica deles.

Responsabilidades

Ao se apoiar no relatório dos especialistas holandeses para se eximir de responsabilidade com a enchente, o prefeito Sebastião Melo se concentrou em alguns tópicos do trecho intitulado “Sistemas de proteção e contenção contra cheias em Porto Alegre”.

Entre esses tópicos, os identificados pela Prefeitura como favoráveis para manter o discurso de que a enchente “não poderia ter sido evitada” e que não cometeu falhas no enfrentamento da crise, além da combinação de condições meteorológicas peculiares, são:

  • Sistemas de bombeamento foi dimensionado com base em dados históricos antigos, e com defasagem técnica quanto ao seu dimensionamento;
  • Os níveis de chuvas resultaram acima dos parâmetros de projeto datados da década de 1960
  • Foram excedidos os níveis d’água operacionais das bombas, incluindo seus controles elétricos e de automação. Devido a isso, a alimentação elétrica foi obrigatoriamente desligada para evitar riscos de curto-circuito;

Porém, a análise do técnicos holandeses sobre o sistema de proteção e contenção contra cheias da Capital apontou também outros motivos para a tragédia, alguns já conhecidos da Prefeitura desde a enchente de 2023, como os problemas com as comportas e a falta de manutenção dos equipamentos. Cita o relatório:

  • Muitas comportas não operaram com eficiência, apresentando inúmeros vazamentos ou pequenos rompimentos. Algumas comportas de emergência empenaram devido às altas energias do escoamento. Assim, de ordem geral, não foram capazes de estancar os volumes provenientes do Guaíba;
  • Falta de alternativas de energia emergencial para suprir os equipamentos de bombeamento (Ex: geradores);
  • Aparente falta de manutenção dos equipamentos;
  • Retorno do escoamento nas bombas devido à falta de válvulas de retenção;
  • Verificado diques rebaixados em alguns locais, além da presença de assentamentos informais em determinados trechos deles;
  • Nem todas as áreas possuem diques de proteção, em particular em áreas com assentamentos informais;
  • Galgamento de alguns diques de proteção;

Por fim, o trecho intitulado “Sistemas de proteção e contenção contra cheias em Porto Alegre” afirma que o sistema de diques e comportas está sob operação do Dmae desde 2019 e “não possui ainda um sistema robustos de ação frente a emergências”. Ainda assim, os técnicos holandeses ponderam que “a reação de emergência pós-desastre do Dmae tem sido muito eficaz”.

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