Texto do jornalista e escritor João Franzin, que tomamos conhecimento no Facebook, nos levou a Manuel Bandeira. Tudo poético, mas muito triste na emblemática rotina criada pelas classes dominantes.
Por João Franzin, jornalista e escritor
Desci em São Paulo na velha Rodoviária numa noite de 1976, agosto. A caminho do ponto de ônibus para Pinheiros, vi dois mendigos, a golpes de muleta, disputar o ponto da mendicância.
Conheci, ali, na prática, a chamada disputa por mercados.
Morei na Baixada do Glicério, em frente a um prostibulo de 8 andares.
Toda tardezinha a cafetina descia e entregava um maço de dinheiro pro policial da baratinha – um fusca.
Entendi que até pra ser puta pobre (e com doença venérea) era preciso pagar e subornar.
Hoje, às 22 horas, precisei buscar algo em meu escritório, que fica na calçada de casa a 50 metros.
Entre ir e vir, coisa de 10 minutos, três mendigos mexeram no mesmo monte de lixo da hamburgueria (Na ida havia dado R$ 4,00 a um deles).
O direito de remexer o lixo, sem a repressão do Estado e do partido único, deve ser o que chamam livre iniciativa.
O Bicho (Manuel Bandeira, Rio, 27 de dezembro de 1947)
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.O bicho, meu Deus, era um homem.
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.O bicho, meu Deus, era um homem.