Renato Janine Ribeiro: “A intolerância cresceu brutalmente na política”

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Filósofo apresenta análises que vão do cenário eleitoral a novas angústias da contemporaneidade

por Paulo Germano para o site GH Notícias
Renato Janine Ribeiro: "A intolerância cresceu brutalmente na política" Carlos Macedo/Agencia RBS

Renato Janine Ribeiro, filósofo e professor titular de Ética e Filosofia Política da Universidade de São PauloFoto: Carlos Macedo / Agencia RBS

Em meio à violência de opiniões que pauta colunistas à esquerda e à direita no jornalismo nacional, o filósofo Renato Janine Ribeiro se mantém como um farol de sensatez. Não significa, em momento algum, que lhe falte contundência.Professor de Ética e Filosofia Política da Universidade de São Paulo, o paulista de 64 anos enfileira críticas tanto ao governo petista quanto ao projeto tucano sem poupar também a nova roupagem de Marina Silva, mas consegue apontar virtudes nas três direções. Porque sua maior reprovação refere-se a uma crescente intolerância, visível não só na imprensa, mas também na agitação das redes sociais. Talvez por isso Janine sinta-se à vontade para abrir seu voto emDilma Rousseff. Nesta entrevista, o colunista do caderno PrOA, de Zero Hora – para o qual escreve crônicas sobre temas diversos, como ética e vida digital –, e do jornal Valor Econômico apresenta análises que vão do cenário eleitoral a novas angústias da contemporaneidade.




É gritante nas redes sociais, ainda mais em época de eleição, uma absoluta intolerância às opiniões divergentes. Por que um ambiente que reúne milhões de pessoas parece, às vezes, mais desagregá-las do que uni-las?

Renato Janine Ribeiro – As pessoas têm à disposição um instrumento para o qual, ao menos até agora, não estão preparadas. É como se você colocasse um carro superpotente nas mãos de uma criança. Ela não terá noção do poder daquela máquina. As redes sociais deram voz a uma multidão que não tinha voz, o que é fantástico: há 10 ou 15 anos, o único meio de tornar pública qualquer informação era a imprensa. Mas quem recebeu esse direito à palavra faz péssimo uso dele. O nível do debate é baixo, o nível da educação é baixo, tanto no Brasil quanto no resto do mundo. Em resumo, o instrumento – o Facebook, por exemplo – é superior ao usuário. O pior de tudo isso é que as pessoas estão se fechando.

Como assim?

Petista só tem amigo petista, tucano só tem amigo tucano, evangélico só tem amigo evangélico. Os usuários, irritados, param de seguir no Facebook quem pensa diferente. É uma tendência clara. Portanto, um instrumento fabuloso para você aprender, para você refletir sobre novas visões, acaba sendo apenas uma ferramenta de reiteração do que você já acredita. Isso reduz ainda mais o nível do debate. O próprio Facebook, percebendo essa tendência, utiliza algoritmos que povoam a linha do tempo dos usuários apenas com posts de amigos que pensam de maneira semelhante à deles. No fim das contas, não faz muita diferença. Porque, quando as pessoas leem algo do qual discordam, respondem com violência.

E em relação às posições políticas, a intolerância cresceu no Brasil?

Brutalmente. Em especial depois da cisão entre o PT e o PSDB. O PT bateu muito nos tucanos durante o governo Fernando Henrique, acusando-os de corruptos o tempo todo. Quando os petistas chegaram ao poder, o PSDB retribuiu a gentileza. O resultado, hoje, é um clima de ódio que vai muito além das pessoas diretamente envolvidas na política. Há uma multidão com aversão total ao PT. Por outro lado, a intolerância dos petistas a outras formas de ver o mundo é muito grande. Não se pode negar que os propagandistas do PT demonizaram a classe média, que tem suas razões para estar indignada. O retorno dos impostos pagos por ela é muito baixo.

Aécio Neves, o candidato do PSDB à Presidência, tem batido nessa tecla.

Claro, mas, por outro lado, o PSDB não tem o que propor no que se refere a políticas sociais. Toda a plataforma dos tucanos é estritamente economicista. Que discussão se pode ter? Temos um partido que não vence a barreira da classe média, que é o PT, e outro partido que só dialoga com empresários, sem nenhum projeto concreto para os pobres, que é o PSDB. O principal assunto entre os tucanos é a economia das grandes empresas. Ora, eles poderiam, por exemplo, erguer a bandeira do empreendedorismo, propondo vitaminar o Sebrae, propondo a criação de 1 milhão de pequenas empresas por ano. Seria uma política digna para um partido liberal.

E qual é o papel de Marina Silva, candidata à Presidência pelo PSB, em meio a esse antagonismo?

Não há dúvida de que Marina é a candidata com maior carga de ideias próprias. Mas são ideias que ainda precisam ser esclarecidas. A ecologia deixou de ser a bandeira mais evidente, embora se mantenha como elemento central no projeto econômico de Marina. Ela agora defende uma economia que, em boa parte, é semelhante à preconizada pelos tucanos. A Rede (grupo liderado por Marina cujos militantes se filiaram ao PSB após o registro da sigla ser negado pelo TSE) caminha para ser o verdadeiro partido liberal do Brasil. Não estou fazendo uma crítica, apenas acho um pouco estranha essa mudança de postura em uma pessoa que forjou sua trajetória nos movimentos sociais.

Que ideias precisam ser melhor explicadas por Marina Silva, por exemplo?

A Rede tem um projeto de mudar o mundo. Os manifestos do partido apresentam um plano ambicioso – e também muito decente, sem aquelas divagações do tipo “vamos agradar a todo mundo”. Não faz parte do ideário da Rede, por exemplo, incentivar a compra de carros para ativar a indústria e desenvolver a economia. Para eles, o custo ambiental disso é maior do que o ganho de curto prazo. Querem mudar o formato da produção, da economia, mas até agora não disseram como farão isso. Que papeis terão as indústrias, a agricultura, a energia e o minério nisso tudo? É toda uma forma de repensar o mundo dentro do esquema capitalista ainda pouco explicitada.

E por que o senhor votará em Dilma Rousseff?

Bom, primeiro, nenhum dos três principais candidatos é um desastre. Creio que atingimos um momento interessante na democracia: hoje é possível conviver com governantes de posições divergentes sem que isso represente uma tragédia ou uma ameaça às liberdades conquistadas. E o Brasil atravessou séculos de governos arbitrários. Vou votar em Dilma Rousseff porque admiro e acredito nos atuais programas de inclusão social, ainda que todos eles – Bolsa Família, ProUni, sistema de cotas, Mais Médicos – sejam projetos emergenciais. De qualquer forma, existe uma política social no PT. No PSDB e no PSB, as propostas nesse campo me parecem muito vagas.

O senhor costuma dizer que há uma escassez de ideias nas campanhas eleitorais, em especial no campo da economia. Que exemplo concreto de ideia o senhor teria?

Hoje existem, por exemplo, condições técnicas para reduzir consideravelmente o tempo de trabalho das pessoas. E os governos poderiam estimular esse avanço, que, além de combater o desemprego, impulsionaria um mercado gigantesco voltado ao lazer. As empresas obtiveram um ganho de produtividade enorme com as máquinas e com a informática. Nas últimas décadas, em praticamente todos os setores, a produção cresceu de duas a três vezes, mas a carga horária permaneceu igual – e o reflexo sobre os salários não foi tão grande. Se, em vez de cinco dias por semana, as pessoas trabalhassem quatro, o que é perfeitamente viável na maioria dos setores, haveria um aumento de 50% no tempo de lazer semanal. Afinal, seriam três dias de folga, e não dois, como hoje.

Essa medida que o senhor propõe, com os funcionários trabalhando um dia a menos na semana, beneficiaria inclusive os empregadores?

Os funcionários iriam precisar de teatro, de cinema, de música, de opções de lazer criativo. Não pense que o Faustão daria conta. Teríamos uma sociedade na qual a cultura, o lazer e a atividade física representariam um mercado muito robusto, o que seria bom tanto para os trabalhadores quanto para os investidores. Ricardo Semler (sócio-majoritário do Grupo Semco, reconhecido mundialmente pela moderna gestão empresarial) me disse que, dentro da carga horária atual, a produtividade dos funcionários cai pela metade nos últimos 20% do horário de trabalho. Quer dizer, se as pessoas trabalhassem quatro dias na semana, e não cinco, não haveria perda de produtividade de um dia inteiro, e sim de apenas meio dia. Some-se isso ao ganho inestimável na qualidade de vida dos funcionários, e a queda na produção seria bem pequena.

Em colunas recentes, o senhor criticou a postura egocêntrica do brasileiro, que tem o mau hábito de parar no acesso à escada rolante, na porta de saída, no meio da calçada, sempre bloqueando a passagem do outro. Por que somos assim?

Não é por maldade. Não é necessariamente uma conduta hostil, e sim uma dificuldade em perceber a existência do outro. Me parece um problema cultural agravado por uma gestão administrativa – seja pública ou privada – de péssima qualidade. Por exemplo: a venda de ingressos para um espetáculo está anunciada para começar às 8h da manhã. As pessoas formarão fila a partir das 5h30min. E, às 8h, não há jeito de abrirem a droga da bilheteria! Vão abrir às 8h15min, 8h30min, 9h. Por quê? Porque o funcionário vai chegar, vai perceber coisas fora do lugar, vai procurar os carimbos, vai arrumar o sistema que saiu do ar. A essa altura, com o horário estourado, tem gente que começa a formar fila paralela, todo mundo vai se apinhando, as pessoas ficam histéricas, desconfiam de que não haverá ingresso suficiente.

E a relação cotidiana se transforma em um martírio…

Exatamente. Há uma série de situações em que o convívio com o outro, no Brasil, é um episódio tenso. Na Europa ou nos EUA, na hora em que abre o comércio, você compra qualquer coisa com uma nota de US$ 20 ou de 50 euros, e o atendente lhe dá o troco. No Brasil, você entra na loja, no ônibus ou no táxi, no início do dia, e ninguém tem troco. O taxista sai de casa para trabalhar sem um centavo no bolso, sem o capital de giro básico. E, se o cliente só tem R$ 50 para pagar uma corrida, ele fica furioso. Nos acostumamos a enxergar o outro como um estorvo. Essa relação só não vira guerra porque a gente, defensivamente, evita o outro, ignora a existência do outro, o que explica as pessoas pararem no meio do saguão atrapalhando todo mundo. Você só percebe a existência do outro quando ele te incomoda.

Em um plano mais geral, não apenas no que se refere ao Brasil, qual é o grande dilema ético contemporâneo?

É justamente o laço social. Estamos vivendo um período no qual nunca houve tanta independência no mundo, tanta liberdade. Posso mencionar exemplos aparentemente tolos, como a invenção do microondas, que permite que cada membro da família jante no horário em que quiser, sem a necessidade de uma reunião familiar. Ou a multiplicação dos televisores, liberando as pessoas para assistir sozinhas ao que quiserem em quartos separados. Ou a pílula anticoncepcional, emancipando o sexo sem o risco da gravidez. Há também o telefone celular, as redes sociais, permitindo que você fale de onde quiser com quem quiser a qualquer momento. Essa liberdade toda individualizou muito as pessoas. Não se presta mais contas a ninguém, praticamente.

Existe um lado positivo nessa individualização da sociedade?

O avanço maior é que, hoje em dia, não somos mais obrigados a preservar um relacionamento conjugal horroroso. Por outro lado, quando surgem os primeiros problemas no convívio, a tendência é trocar de parceiro sem grandes considerações, afinal há gente interessante e disponível por todo lado. As pessoas estão de tal forma convictas de que podem – e de que devem – buscar o prazer, que as obrigações em relação ao outro se enfraqueceram. Isso também se reflete nas relações entre pais e filhos. Começa a ficar difícil, atualmente, ver um filho se dispondo a cuidar de uma mãe velhinha, resistindo à ideia de colocá-la em um asilo. Aparentemente, nunca houve sociedade com laços sociais tão fracos como a nossa, e esse será um grande desafio dos próximos tempos. As pessoas vão ficar muito desconfiadas umas das outras. Afinal, que confiança terei em alguém que pode me largar a qualquer momento?

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