Por Luis Nassif, Jornal GGN –
Proponho a vocês um trabalho que foi bem sucedido por ocasião da Satiagraha: uma reportagem coletiva em torno de um fato que promete ser uma bomba.
Na série que escrevi sobre a Veja, 7 anos atrás, descrevi as jogadas em torno do macartismo. Cria-se um ambiente de catarse, de caça a inimigo e, por baixo desse manto, vão sendo costurados vários tipos de jogadas que, em circunstâncias normais, seriam consideradas estranhas mas que, no quadro de uma guerra santa, se justificariam.
A prisão do ex-governador do Rio de Janeiro Anthony Garotinho é um caso típico de exploração de catarse. Mas poderia haver algo mais por trás da espetacularização?
É a tese que pretendo propor para nossa reportagem coletiva.
É possível que prisão do ex-governador Anthony Garotinho deslinde um roteiro paralelo nesses tempos de Lava Jato. Há um conjunto de indícios que sugere que possa ser um capítulo obscuro de uma guerra de quadrilhas. Quem é mocinho, se é que tem algum, não se pode adiantar.
Os indícios a serem analisados
O Ministério Público Federal descobriu, recentemente, um (velho) método investigativo que batizou de “teoria do fato”. Consiste em, juntando as primeiras evidências, montar uma teoria inicial que permita ordenar as informações de maneira mais objetiva.
As informações até agora divulgadas sobre a prisão de Garotinho permitem juntar as seguintes peças:
1. Segundo os procuradores, as investigações deveriam prosseguir por mais um mês. Mas foram antecipadas devido à crise do funcionalismo do estado do Rio de Janeiro. Não explicaram o que uma coisa tem a ver com a outra. Ficou subjacente a sensação de que pretenderam aplicar a punição aos políticos que levaram o estado àquela situação. Mas é pouco. Vai-se sacrificar semanas de investigações por indignação?
2. Garotinho ameaça denunciar figurões, sem mencionar qual. O juiz Glaucenir Silva de Oliveira, então, atropelando laudos médicos, ordena sua remoção para o presídio Bangú.
3. A reação de Garotinho foi de pânico puro. Berra aos guardas que seria morto. Não diz por quem, mas por inimigos genéricos. Mesmo porque foi Secretário de Segurança no governo de sua esposa Rosinha.
4. Hoje, o juiz dvulga a denúncia de que supostamente teria sido procurado com propostas de subornos, de R$ 1,5 milhão e R$ 5 milhões. Mas, curiosamente, não teria revelado a ninguém, para não atrapalhar as investigações. Como assim? O suborno seria elemento central, inclusive para justificar a prisão de Garotinho.
5. Ao mesmo tempo, informa que está sendo alvo de uma investigação da Polícia Federal, devido a uma denúncia de Garotinho. E, defensivamente, sugere que quem está investigando pode ter sido alvo de proposta de suborno, assim como ele foi.
6. No Blog, um leitor de Campos traz informações sobre supostas ligações do juiz com os irmãos Pereira. Trata-se de um grupo que atua no setor de lixos, com contratos com várias prefeituras (https://goo.gl/dpCsWd). É um grupo polêmico, com histórico de violência em Campos.
A Teoria do Fato
Vamos juntar esses indícios em uma “teoria do fato”, uma possibilidade – não uma certeza – em torno das informações alinhavadas.
1. O juiz tinha em suas mãos um caso eleitoral envolvendo Garotinho.
2. Garotinho ameaçou denunciar episódios envolvendo o juiz.
3. Os fatos se precipitam e o juiz decide antecipar a autorização de prisão de Garotinho, valendo-se do direito penal do inimigo e do fato de que qualquer decisão, por mais arbitrária que fosse, receberia respaldo da Globo.
4. Planeja, então, remetê-lo a Bangu. Garotinho sofre o ataque de hipertensão e é internado no Hospital Souza Aguiar. A pressa do juiz de remetê-lo para Bangu é tamanha que decide atropelar laudos médicos e transportar Garotinho de qualquer maneira para o presídio.
5. Ex-Secretário de Segurança do Rio, Garotinho seria o típico caso de marcado para morrer. Daí seu desespero em resistir à ordem de prisão, mesmo acamado, sustentando que denunciaria muita coisa e poderia morrer no presídio. É evidente que o juiz sabia dos riscos de vida, pelos problemas cardíacos e pelas vendetas de criminosos. Mas insistiu.
6. Hoje, temeroso dos desdobramentos do caso, e das consequências das investigações da Polícia Federal, o juiz denunciou a suposta tentativa de suborno contra ele – de um mês atrás! – e insinuou que as mesmas pessoas podem ter subornado a PF. Tentou desqualificar antecipadamente as investigações. Qual o seu receio?
Há outras “teorias do fato” possíveis. Como, por exemplo, supor que o juiz é um intimorato defensor da lei e da ordem, um radical adversário da corrupção e agiu movido pelos instintos primários que acometem os justiceiros.
A pauta coletiva
Seja qual for o caso, temos uma boa história para uma pesquisa coletiva. Quem participa?
Casos a serem investigados:
1. Mais dados dos tais irmãos Patrão e suas parcerias em Campos. Inclusive o paradeiro do delegado Márcio Caldas, que teria enfrentado os irmãos e recebido uma surra.
2. Parece que já houve uma investigação da Polícia Federal que flagrou atividades desses irmãos. Quem conhece a íntegra?
3. Mais dados sobre os esquemas políticos em Campos, com Garotinho e com o ex-prefeito, que seria o patrono dos tais irmãos Pereira, Tiago, Leandro e Vinícius Pereira, que têm entre 29 e 34 anos, e são apontados por promoverem brigas em casas noturnas e bares de Campos e Farol de São Tomé.
4. Dados que eventualmente comprovem (ou desmintam) as relações do juiz Glaucenir com os esquemas do prefeito anterior.
5. Informações sobre se o juiz informou ou não a força-tarefa sobre a suposta proposta de suborno.
6. Links de matérias em que a força tarefa explica a razão de ter antecipado a prisão de Garotinho.
7. Informações sobre os esquemas dos Garotinho em Campos.
À medida que as informações forem sendo levantadas, iremos consolidá-la no texto.
Foto: Inácio Teixeira/ Coperphoto (30/09/2014)