Resenha do Melhor Livro do Ano: “Armadilha do Identitarismo” de Yascha Mounk

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Yascha Mounk estrutura seu livro, escolhido como o Melhor de 2023 por The Economist, Financial Times e Prospect Magazine, “A Armadilha da Identidade: uma História de Ideias e Poder em Nosso Tempo” [The Identity Trap: A Story of Ideas and Power in Our Time. New York: Penguin Press, 2023.] em quatro partes, além da Introdução. A primeira, Origens da Síntese da Identidade, possui quatro capítulos; a segunda, Vitória da Síntese da Identidade, com três; a terceira, Falhas da Síntese da Identidade, tem seis capítulos; a quarta, Em Defesa do Universalismo, dois capítulos.

A Conclusão, Como Escapar da Armadilha da Desigualdade, pode ser considerada um capítulo final com quatro tópicos. Acrescenta também um Apêndice explicativo: por qual razão a Síntese de Identidade não é marxista. O livro interessará não só aos ativistas de esquerda, mas a todos os leitores cultos com interesse de conhecer o debate político contemporâneo no mundo ocidental.




Ele não é só “politicamente correto” para o debate público em todo o mundo, em especial para os simpatizantes da ideologia de esquerda. Ele é preventivo contra uma tendência equivocada já observada por grupos de pressão nas Universidades em busca de favorecimento sem maior esforço nos estudos. Por isso, eu o resenho aqui como um incentivo à sua leitura e divulgação de suas ideias.

Por ser bastante didático, é uma leitura relativamente fácil – e sintética caso o leitor deseje fazer uma leitura dinâmica. Esta deve ser o primeiro contato com o livro. O que sugere o título? Será possível adivinhar seu conteúdo só com essa informação? Qual tipo de mensagem ou ideia poderá estar contida nas suas páginas?

leitura ativa consiste em se fazer essas perguntas e ver se são respondidas pelo título ou pela leitura do Prefácio ou Introdução, onde o autor justifica suas razões para escrever o livro. Um bom Sumário costuma mostrar o fio-condutor do livro.

Se você tem familiaridade com o assunto, ao ver quem o autor cita, já terá uma ideia do tipo de orientação teórica ou ideológica seguida. Antes de ler todo o livro, uma boa ideia é ler rapidamente o capítulo introdutório. Nele, o autor alinha as ideias com o objetivo de as desenvolver no texto. Costuma ser um guia para aquilo adiante. Em geral, não antecipa as conclusões.

Yascha Mounk facilita a leitura do seu livro não só com uma Introdução geral, mas tem outras em suas quatro partes. Lista, no fim de cada capítulo, as Principais Conclusões.

Vou tentar resumir esse guia de leitura. Inicialmente, registra: “todos os quatro dos meus avós foram mandados para a prisão por causa das suas crenças comunistas durante as décadas de 1920 ou 1930”. Depois, eles se convenceram de novos governos de esquerda tornariam o mundo um lugar melhor – conseguindo superar os preconceitos e os ódios tribais.

Adotaram, vivendo na Europa, um credo reformista de socialdemocracia. Este tentava humanizar o capitalismo, misturando-lhe um estado de bem-estar social.

A missão histórica da esquerda consistia em expandir o círculo de simpatia humana através das fronteiras da família, tribo, religião e etnia. Estar à esquerda era acreditar em:

1.      os humanos são igualmente importantes, independentemente do grupo ao qual pertencem;

2.      devemos procurar formas de solidariedade política transcendentes às identidades de grupo enraizadas na raça ou na religião; e

3.      podemos fazer uma causa comum na busca de ideais universais como justiça e igualdade.

Esse é o esquerdismo universalista com o qual Mounk foi criado. Mas já não é a corrente dominante da esquerda hoje. Em vez disso, ao longo das últimas cinco décadas, tornou-se uma marca de muitos movimentos de esquerda o fato de rejeitarem a existência de uma verdade objetiva ou a esperança de uma sociedade mais harmoniosa outrora inspiradora.

Hoje, esquerdistas infantis abraçam orgulhosamente o apelo da etnicidade e da religião, em vez de serem céticos em relação à força destrutiva de tais identidades de grupo. Até mesmo rejeitam a própria possibilidade de pessoas de diferentes países e culturas possam algum dia vir a compreender-se verdadeiramente.

Na parte I, Mounk procura descobrir a história por trás dessa transformação. Por que a esquerda abandonou o seu universalismo e abraçou uma nova forma de tribalismo?

A mudança identitária da esquerda não é simplesmente uma forma de “marxismo cultural” como ele mostra no capítulo 1. Para compreender o surgimento da síntese identitária, regressa ao seu ímpeto original em Paris nas décadas de 1950 e 1960.

Os principais teóricos “pós-modernos”, entre os quais Michel Foucault, estavam antes impregnados de ideias comunistas. Depois, o núcleo da filosofia insurgente passou a consistir na rejeição de todas as “grandes narrativas”, entre as quais, o marxismo.

Essa rejeição das grandes narrativas levou os teóricos pós-modernos a tornarem-se profundamente céticos em relação às reivindicações de verdade objetiva e de valores universais. Levou-os a rejeitar categorias de identidade como “mulher” ou “proletário”.

Foucault argumentou contra a noção generalizada de as sociedades democráticas terem se tornado mais humanistas no tratamento dispensado aos criminosos, aos doentes mentais ou às minorias sexuais. Na realidade, as sociedades apenas encontraram formas mais sofisticadas de controlar o comportamento dos aberrantes.

Os filósofos tradicionalmente assumiam as instituições formais, como os Estados, exercerem o poder de cima para baixo. Foucault argumentou as sociedades modernas exercerem o controle social de uma forma mais sútil ou molecular com “discursos” informais determinantes de o que as pessoas devem pensar e/ou podem fazer.

Dedutivamente, isto colocou em dúvida se uma revolução contra as relações de poder estatal poderia algum dia, de fato, libertar as pessoas. As revoluções fracassaram nisso…

pós-modernismo, com o seu ataque às verdades antes supostas universais, proporcionou uma ferramenta fundamental para as ex-colônias. Abandonaram as antigas tradições dos colonizadores de cujo eurocentrismo desconfiavam.

Contra a natureza apolítica do pós-modernismo, resolveram colocar a análise do discurso em uso explicitamente político, remodelando os discursos dominantes de forma a ajudar diretamente os oprimidos. Com a adoção do “essencialismo estratégico”, politicamente útil (assumido como fosse “correto”), os ativistas encorajaram as pessoas a organizarem-se com base nas suas identidades de grupo.

O movimento pelos direitos civis transformou os Estados Unidos ao abolir a maioria das formas pelas quais as leis e instituições discriminavam os afro-americanos. Mas as vitórias legais não se traduziram em mudanças igualmente radicais.

Ativistas começaram a culpar o quadro moral básico do movimento pelos direitos civis, com a sua ênfase no universalismo. Teriam errado ao fazer da “dessegregação” o principal objetivo da reforma escolar. Contrapuseram a “segregação reparadora”!

teoria crítica da raça negava os princípios morais universais ajudarem a provocar um progresso político genuíno. O aparente progresso da Era dos Direitos Civis revelou-se uma função do interesse racial dos brancos. O racismo americano nunca se atenuaria.

O conceito de “interseccionalidade” captou como a legislação existente sobre discriminação não conseguiu reconhecer os desafios enfrentados pelas mulheres negras. Não se reduziam a sofrer os problemas das mulheres brancas e dos homens negros.

De acordo com os defensores de um sentido mais amplo de interseccionalidade, os membros de diferentes grupos de identidade nunca conseguem compreender plenamente as experiências uns dos outros. Como diferentes formas de opressão se reforçam, mutuamente, a eficácia de ativismo contra uma injustiça específica também precisa de combater todas as outras formas de opressão baseadas na identidade.

Desde a década de 1960, partes da esquerda americana prestaram atenção crescente às questões sociais ligadas à opressão com base na raça, gênero e sexualidade. Quando a União Soviética entrou em colapso, em 1991, a esquerda superou a luta de classes e tornou-se cada vez mais focada em questões de cultura e identidade.

Esta transformação foi ainda mais acelerada pelo surgimento de um novo conjunto de departamentos acadêmicos dedicados ao estudo de questões de identidade, tais como estudos de gênero, de mídia, afro-americanos, latinos e estudos sobre deficiência.

Gradualmente, a tripla influência do pós-modernismo, do pós-colonialismo e da teoria racial crítica deu origem a uma “síntese de identidade”. Esta nova ideologia foi definida por sete temas principais:

1.      a rejeição da existência de uma verdade objetiva;

2.      a utilização de uma forma de análise do discurso para fins explicitamente políticos;

3.      uma adoção do essencialismo estratégico;

4.      um profundo pessimismo sobre a possibilidade de superar o racismo ou outras formas de intolerância;

5.      uma preferência por políticas públicas com distinção explícita dos cidadãos com base no grupo ao qual pertencem;

6.      uma adoção da interseccionalidade como estratégia de organização política; e

7.      um profundo ceticismo quanto à capacidade dos membros de diferentes grupos comunicarem entre si.

Paradoxalmente, muitos dos pensadores, com obras inspiradoras da síntese da identidade, expressaram sérias dúvidas sobre a forma como o próprio trabalho transformou a esquerda – e se lamentam…

Leia a Resenha Completa em:

Fernando Nogueira da Costa – Armadilha do Identitarismo: Uma Resenha – dez 2023

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