Anúncio de investimentos no transporte por trilhos, inaugurado em 1896, é um bom pretexto para visitar o bairro onde moradores reclamam do descaso com o sistema
Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora
Este #RioéRua tem um princípio otimista – tanto que acredita que só nas ruas, nas esquinas, nos cruzamentos e nas encruzilhadas a cidade pode encontrar os caminhos para ter um futuro comum, da mesma forma que os encontros, muitas vezes conflituosos, nas ruas e encruzilhadas fizeram sua história e seu passado. Mas é preciso ser muito mais que otimista para acreditar em promessas do atual governo do estado. Mesmo assim, não deixa de ser boa notícia o anúncio de investimentos no sistema de bondes de Santa Teresa com a reativação dos ramais Paula Mattos, sem funcionar desde 2011, e Silvestre, desativado há quase 20 anos. Hoje, de acordo com moradores, os bondes atendem a menos de um terço da população do bairro.
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É difícil ser otimista exatamente pelo histórico de descaso com este pequeno transporte sobre trilhos – e com todo o transporte sobre trilhos no Rio – que levou à atual situação do sistema de bondes, com apenas um ramal e seis estações funcionando (mal). Fica ainda mais difícil porque o responsável pela gestão estadual dos transportes é um político condenado – condenado em todas as instâncias e inelegível – por crime ambiental. Foi esta autoridade estadual que subiu Santa Teresa no fim de novembro para anunciar os investimentos no sistema, a serem feitos por governo e concessionária.
Mas o carioca, que busca razões para acreditar, lembra que o sistema de bondes de Santa Teresa é resistente. Inaugurado em 1896, foi ameaçado vinte anos depois quando a administração municipal desmontou mais da metade do Morro de Santo Antônio, de onde partiam os trens. Sobreviveu e seguiu servindo à população que começou a ocupar a colina a partir do século XVIII, buscando melhores ares (o Centro do Rio era insalubre) e qualidade de vida.
Os bondes de Santa Teresa foram os únicos a continuar funcionando quando o governo da Guanabara decidiu, em 1963, acabar com o transporte, elétrico, por trilhos dentro da cidade, para abrir caminhos para os ônibus, o asfalto e os combustíveis fósseis. Funcionários da própria companhia foram responsáveis por colocar os bondes de volta aos trilhos quando trechos das linhas foram soterrados nas terríveis enchentes de 1966 e 1967: temiam que a catástrofe servisse de pretexto para acabar com o sistema. Seguidos planos para desativar os bondes foram sempre rechaçados pela população que conseguiu o tombamento, pelo Iphan e pelo Inepac (estadual), como patrimônio cultural do seu trajeto, passando pelo alto dos Arcos da Lapa e pelas ruas do bairro.
Foi esse descaso com o transporte sobre trilhos que permitiu o fechamento da linha do ramal Silvestre que fazia conexão com o trem turístico do Corcovado. Foi o descaso com os bondes e sua manutenção que provocou o terrível desastre que matou seis pessoas em 2011, no ramal Paula Mattos, resultando no fechamento da linha desde então. Mas os moradores amam os bondes e sempre defenderam a reativação das linhas – e também a ampliação dos horários. O sistema hoje só funciona de 8h às 17h, nos dias úteis (nos fins de semana e feriados, de 9h às 16h). Apesar de moradores de Santa Teresa previamente cadastrados não pagarem passagem, na maior parte do tempo, são os turistas que ocupam a maior parte dos lugares do bonde. Os visitantes também amam os bondes: 410 mil passageiros usaram o transporte em 2022, um recorde já superado nos primeiros 11 meses de 2023.
Subi Santa Teresa como turista às vésperas do anúncio dos investimentos no sistema. A passagem – ida e volta – custa R$ 20; paguei meia como morador do Rio. O bonde só estava indo até metade – Largo dos Guimarães – do único ramal por conta de trabalhos de manutenção: é outra reclamação permanente dos moradores a irregularidade no funcionamento da linha. Sempre vale a viagem e o destino: do bonde, é possível ver a paisagem única do Rio de Janeiro de privilegiado ponto de vista; Santa Teresa é uma pequena joia urbana, com casas e construções baixas, algumas com mais de dois séculos, muitos ateliês, bares e restaurantes, que criam uma mistura de clima de bairro com charme boêmio. E tem os museus – Chácara do Céu e Parque das Ruínas – e tem os mirantes com diferentes vistas da cidade.
Quem vive em Santa Teresa, entretanto, enfrenta problemas semelhantes aos outros cariocas. Apesar de sua privilegiada localização, entre a Zona Sul, o Centro e o começo da Zona Norte, o transporte público funciona precariamente, com poucos ônibus, sem qualquer regularidade. Moradores reclamam ainda da coleta de lixo e do abastecimento de água – e são vítimas frequentes dos deslizamentos provocados pelos temporais. Esse medo une vizinhos – aqueles que vivem em moradias tradicionais e os habitantes das comunidades faveladas que foram se espalhando pelas encostas do morro de Santa Teresa, batizado pelo nome do convento de freiras ali erguido no século XVIII, marco da ocupação da colina. Os moradores das favelas também sofrem de outro problema semelhante ao de outras comunidades, com atuação de grupos de traficantes armados e as sempre desastradas operações policiais para enfrentá-los sem qualquer sucesso.
Para os 50 mil moradores de Santa Teresa, o pleno funcionamento do sistema de bondes – em horários que servissem não apenas aos visitantes e turistas – melhoraria a qualidade de vida no bairro. E beneficiaria todo o Rio de Janeiro, facilitando aos cariocas também subir a colina. Mas, pelas minhas conversas na visita de turista, quem vive no bairro não leva fé na promessa oficial. Mas sempre há alguém que lembra: os bondes são resistentes e servem Santa Teresa há 127 anos.