Por Joaquim de Carvalho, compartilhado por DCM –
Moro, talvez se antecipando a alguma acusação, disse que havia condicionado sua nomeação para o Ministério da Justiça à garantia de que sua família seria amparada com “pensão” caso alguma coisa lhe acontecesse.
Como não há previsão legal para esse tipo de “pensão”, Moro solicitou vantagem indevida, o que é tipificado pelo Código Penal.
Está no artigo 317, que define a corrupção passiva:
“Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa.”
Um fato agravante é que Moro era juiz quando, segundo confessou, fez essa solicitação. Logo depois é que se demitiu da magistratura, depois de 22 anos na função.
Em seu pronunciamento, Moro disse:
Tem uma única condição que coloquei, que revelo agora, eu disse que como eu estava abandonando minha carreira de 22 anos da magistratura e contribui 22 para a previdência e pedi que se algo me acontecesse, que minha família não ficasse desamparada sem uma pensão. Foi a única condição que coloquei para assumir a posição no Ministério.
É provável que ele tenha tido essa conversa na presença do banqueiro milionário Paulo Guedes, que o levou à presença de Bolsonaro para que o martelo fosse batido.
Fica a suspeita de que Guedes teria assumido esse compromisso — ou pago antecipadamente —, já que não existe lei que justifique pensão a quem sequer tinha assumido o cargo.
Por sua vez, considerando como verdadeiros os relatos de Sergio Moro, Bolsonaro praticou, em princípio, os crimes que foram citados pelo procurador-geral da república, Augusto Aras.
No pedido de instauração de inquérito que encaminhou para o Supremo Tribunal Federal, Aras escreveu:
A dimensão dos episódios narrados, especialmente os trechos destacados, revela a declaração de Ministro de Estado de atos que revelariam a prática de ilícitos, imputando a sua prática ao Presidente da República o que, de outra sorte, poderia caracterizar igualmente o crime de denunciação caluniosa.
Dos fatos noticiados, vislumbra-se, em tese, a tipifcação de delitos como os de falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal), coação no curso do processo (art. n44 do CP), advocacia administrativa (art. n21 do CP), prevaricação (art. n19 do CP), obstrução de Justiça (art. 1º, § 2º, da Lei 12.850/201n) corrupção passiva privilegiada (art. n13, § 2º, do CP) ou mesmo denunciação caluniosa (art. nn9 do Código Penal), além de crimes contra a honra (arts. 1n8 a 140 do CP).
Aras quer ouvir Moro, para que ele faça relato detalhado e apresente “documentação idônea que eventualmente possua”.
A coluna de Fausto Macedo, no Estadão, informa que Moro tem arquivadas as mensagens trocadas com Jair Bolsonaro, que comprovariam suas denúncias.
Provavelmente foi o próprio Moro quem passou essa informação ao jornalista, que, como se sabe, foi um dos que mais publicaram vazamentos da Lava Jato, quando Moro era titular da 13a. Vara Federal de Curitiba.
Se Moro usar conversa por aplicativo como prova — e é prova mesmo —, ele estará endossando as provas que o advogado Rodrigo Tacla Durán apresentou à CPI da JBS, em novembro de 2017.
Denunciado como operador das empreiteiras pela Lava Jato, Tacla Durán juntou cópias das conversas que teve com um amigo de Moro, o advogado e lobista Carlos Zucolotto Júnior, em que este exigia 5 milhões de dólares em troca de benefícios no acordo de delação premiada que estava sendo discutido em Curitiba.
Moro desqualificou a fala de Tacla Durán assim como desconsiderou utilizar as provas apresentadas, embora fosse do interesse dele, já que, na hipótese de verdadeira a denúncia de Tacla Durán, Zucolotto, na interpretação mais benéfica a ele, estaria praticando o crime de exploração de prestígio.
Portanto, se apresentar as conversas que teve por WhatsApp com Bolsonaro como prova, nada mais razoável do que exigir o mesmo tratamento em relação às denúncias do advogado cujo nome Moro não pode nem ouvir: Tacla Durán.
No duelo entre Sergio Moro e Bolsonaro, ficou evidente que os dois, em princípio, cometeram crimes.