Por Arnaldo César (*), publicado no Blog do Marcelo Auler –
Quem assistiu ao documentário “O Processo”, da cineasta Maria Augusta Ramos, deve ter se impressionado ao rever trechos do discurso do senador do MDB-PR, Roberto Requião, na sessão do Senado Federal, de 30 de agosto de 2016. Aquela em que a presidente Dilma Rousseff foi, covardemente, impedida de continuar governando.
Com a premonição típica dos bruxos que habitam Brasília, o parlamentar paranaense elencou ponto por ponto o que aconteceria com o País depois de consumado o golpe. O pronunciamento durou pouco mais de 10 minutos.
Começou com Requião reproduzindo as palavras de Tancredo Neves, em 1964, quando Áureo de Moura Andrade declarou vaga a presidência da República mesmo com João Goulart presente no País. Tal artimanha possibilitou que uma sanguinária ditadura militar governasse o Brasil por 21 anos seguidos.
O que disse o senador é um primor de sutileza. No plenário, estava sentado o até então todo poderoso senador Aécio Neves (PSDB-MG). Teve que ouvir calado, o colega do Paraná pronunciar em alto e bom som a expressão: “canalha, canalha, canalha!”.
De tudo que Requião profetizou só não tivemos, até agora, uma guerra civil. A previsão de que o povo iria às ruas não aconteceu ao longo destes dois anos de golpe. Assistimos sim uma greve de caminhoneiros, com interesses difusos. No mais, o senador paranaense acertou na mosca: Dilma foi golpeada. Lula está preso. O Pré-Sal foi entregue para o capital estrangeiro que recebeu uma isenção fiscal superior a R$ 1 trilhão para continuar operando na exploração de petróleo no País. Os programas e as conquistas sociais foram dizimados. Só no “Bolsa Família” mais de 1,5 milhões de beneficiários deixaram de receber o benefício.
O cáustico pronunciamento com a cortante verbalização do coletivo de gente ordinária poderá ser revisto na integra no vídeo abaixo.
Estatais do porte da Petrobras Distribuidora, Eletrobrás e empresas com forte participação acionária da União como é o caso da Embraer estão na bica de serem privatizadas. O aquífero Guarani, o maior do mundo, vem sendo negociado com a Nestlé, gigante suíça do setor de alimentos.
Como se isso não bastasse, na última segunda feira (21/05), o presidente impostor Michel Temer assinou um decreto revogando o “Fundo Soberano”. Criado no auge da crise econômica que sacudiu o mundo em 2008, este fundo funcionava como uma espécie de colchão protetor dos programas sociais, especialmente, do “Bolsa Família”.
Se novas crises rondassem o País, a população mais pobre não seria afetada. Para isso é que servia esse fundo. De lá para cá, ele acumulou recursos da ordem de R$ 26 bilhões advindo dos impostos cobrados do petróleo extraído do Pré-Sal. O golpista Temer mandou repassar esta dinheirama para os bancos privados, a pretexto de reduzir a dívida do governo com aquelas instituições financeiras.
Nas salas cariocas onde “O Processo” está sendo exibido, as plateias são constituídas, basicamente, por espectadores da classe média. Invariavelmente, batem palmas, ao final da projeção. Em algumas gritam “Fora Temer” e as mais exaltadas pedem “forca para os golpistas”. Boa parte deles, porém, ao deixar o cinema foi para o barzinho mais próximo discutir o documentário e afogar as mágoas.
É mais ou menos o que fazem os militantes de esquerda que participaram dos comícios e das manifestações contra o golpe. Terminado os atos de protestos recolhessem-se na taberna e dedicam-se ao esporte do momento: lamentar as agruras do País. Por aí, dá-se para entender as razões pelas quais a palavra desalento tomou conta da economia e do dia-a-dia dos brasileiros.
Os institutos de pesquisa de opinião – entre eles o Ibope e o Vox Populi – são unânimes em concordar que 70% dos brasileiros não estão nem aí para as eleições presidenciais de outubro vindouro. Este mesmo percentual é utilizado para expressar o desinteresse dos torcedores da Pátria do Futebol para a Copa que irá se iniciar dentro de 20 dias, em Moscou. Desinteresse total e absoluto. Ou melhor, desânimo generalizado.
Não se espantem, portanto, se as mesmas caras que aprovam leis perversas como a reforma trabalhista, concordaram que se entregasse riquezas nacionais para o capital estrangeiro e apoiaram o golpe contra Dilma vierem dar as caras novamente no Congresso Nacional. Ou, se os “novos representantes do povo” galgarem o Palácio do Planalto e as tribunas do Senado e da Câmara Federal patrocinados por movimentos de extrema direita como: MBL, FIESP, FIRJAN FEBRABAN, milícias ou pelo tráfico de drogas.
Mesmo parecendo provérbio de para-choque de caminhão, não podemos esquecer: o futuro está em nossas mãos.
Parafraseando Tancredo e Requião: até quando continuaremos sendo uma nação de: “canalhas, canalhas, canalhas!”?
(*) Arnaldo César é jornalista e colaborador deste blog.