Por Carlos Eduardo Alves –
De madrugada, a insônia de sempre. Decido separar as centenas de fotos guardadas em caixas de papelão pra deixar com os filhos. No silêncio raro, a vida passa em fragmentos, a memória afetiva é acelerada, a emoção desanda.
Em cada manuseio, outras figuras vão aparecendo. Uma espécie de filme da vida está ali. Amores, enganos, tudo guardado. Do nada, lembro de cada situação. Do engatinhar dos pequenos, daquela última foto de uma paixão. É um filme longo da existência. Já havia passado num quase afogamento na juventude a experiência do que se costuma chamar de “filme da vida”, uma sensação de estar morrendo na qual, inacreditavelmente, durante uns sei lá trinta segundos passam dezenas de cenas importantes na vida que está indo embora. Agora o enredo é mais demorado, de balanço, com tempo para sorrisos e lamentos.
Tenho amigos que são fotógrafos notáveis. Uns fazem de tudo uma arte. Outros, são craques em uma determinada área. Admiro o talento de quem revela paisagens, obras de arte, cenas bonitas etc. Mas o que me atraiu sempre foi foto de gente. Por mais que seja difícil o desafio de combinar bem as palavras, quando se acerta uma foto de gente, não há nada igual.
Ao separar em três grandes pastas as fases dos queridos, vejo recortes de minha vida. O jovem adulto magrelo e cabeludo, o barrigudo quase careca, o novamente magro e feliz. Em cada filho, desde pequeno, a foto mostra, no olhar e expressão, características que vão se confirmar adiante.
O trabalho é longo. As pausas emotivas são muitas. A vida pode ser um sopro, mas um sopro longo ocasionalmente. Às vezes, a coragem suicida cobra um preço. Talvez fosse mais fácil encostar o cotovelo no atalho. Mas as fotos seriam diferentes. Não há caminho certo ou errado. O que existe mesmo é que fotos de gente espelham grande parte do que está guardado no coração.
O dia nasce e eu choro sem parar.