Revogaço ambiental: transição de Lula mira nove decretos de Bolsonaro

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Relatório final sobre meio ambiente para o presidente eleito aponta ‘desmantelamento deliberado e ilegal’ promovido pelo atual governo

Por Oscar Valporto, compartilhado de Projeto Colabora




Na foto: Ao lado de Gleise Hoffmann, Janja e Aloízio Mercadante, Geraldo Alckmin, coordenador da transição, entrega a Lula o relatório final do grupo: revogaço ambiental vai atingir, inicialmente, nove decretos de Bolsonaro (Foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil)

O relatório final do do Gabinete de Transição Governamental, apresentado nesta quinta-feira (22/12) ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, lista nove decretos do governo Bolsonaro a serem imediatamente revogados na área ambiental. “O governo Bolsonaro promoveu um desmantelamento deliberado e ilegal das políticas públicas, marcos regulatórios, espaços de controle e participação social, e órgãos e instituições públicas ligadas à preservação das florestas, da biodiversidade, do patrimônio genético e da agenda climática e ambiental”, afirma o documento.

relatório, com 73 páginas de texto, traz as conclusões sobre 32 áreas analisadas pelos grupos técnicos do gabinete de transição, coordenado pelo vice-presidente eleito Geraldo Alckmin. “Infelizmente, nós tivemos um retrocesso em muitas áreas. Então, o estado que o presidente Lula recebe é muito mais difícil e muito mais triste do que anteriormente”, disse Alckmin ao entregar formalmente o relatório a Lula em cerimônia que precedeu o anúncio de mais 16 ministros. O vice-presidente eleito também fez um resumo dos problemas diagnosticados. “Na questão do Meio Ambiente, tivemos aumento de 59% do desmatamento na Amazônia entre 2019 e 2022. E, nas últimas semanas, 30 dias, 1.216% de aumento nas queimadas. Uma devastação das florestas, não por agricultores, mas por grileiros de terra”, destacou.

O desmonte das políticas ambientais foi reforçado com o esvaziamento da agenda ambiental por meio da transferência de estruturas e órgãos vinculados ao MMA a outros ministérios e pela desestruturação da governança colegiada e aguda restrição à participação social

Relatório final do Gabinete de Transição

Na sua análise, o grupo temático de Meio Ambiente – da qual fizeram parte os ex-ministros Marina Silva, Izabella Teixeira e Caros Minc e os deputados Nilto Tatto e Alessandro Molon – destacou que as instituições federais de conservação ambiental e uso sustentável de recursos ecológicos passaram “por um processo inédito de intimidação” nos últimos quatro anos. “Nosso desafio é o da reconstrução do desmonte das instituições e o reencontro do País com seu futuro como potência ambiental”, afirma, sobre o meio ambiente, o texto do relatório final.

Em suas reuniões, os integrantes do grupo analisaram mais de 100 decretos, portarias e outras instruções normativas passíveis de revogação. No relatório final, entretanto, a sugestão de revogaço ambiental ficou restrita a nove decretos considerados os mais críticos e divididos em quatro objetivos principais: controlar o desmatamento; acabar com a impunidade quanto às multas ambientais; reverter a autorização para o garimpo ilegal na Amazônia; e retomar o Fundo Amazônia.

Para o controle do desmatamento, o grupo sugere a revogação imediata dos decretos 10.142/2019, 10.239/2020 e 10.845/2021 – “decretos que abriram espaço para um processo acelerado de desmatamento ilegal nos diversos biomas brasileiros, inclusive desmanchando o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAM)”, aponta o documento. Esses três decretos, que criavam novas estruturas, revogaram arcabouço legal anterior que deve ser retomado para a retomada do PPCDAM. “O PPCDAM foi historicamente um dos principais instrumentos capazes de controlar desmatamento, contribuindo para redução de emissão de gás”, acrescenta o relatório.

O revogaço ambiental inclui ainda a revogação integral do decreto 9.760/2019 e de parte do Decreto nº 10.086/2022. De acordo com a equipe de transição, esses decretos “anularam multas ambientais, paralisaram o sistema de fiscalização ambiental e criaram um ambiente de perseguição aos fiscais”. O decreto de 2019 criou a obrigatoriedade de realização de audiências de conciliação antes da instauração de processos sobre infrações e crimes ambientais. “A perda é de mais de R$ 18 bilhões para os cofres públicos, conforme questionamento feito pelo STF na ADPF 775”, lembra o relatório.

Outra sugestão a Lula para revogação imediata é do Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala, instituído pelo decreto 10.966/2022. O revogaço ambiental encaminhado ao presidente eleito também inclui as partes dos decretos 10.223/2020 e 10.144/2019, nos pontos em que inviabilizaram a governança do Fundo Amazônia, “instrumento de extrema relevância para o controle do desmatamento e o fomento a atividades produtivas sustentáveis no bioma”. O relatório indica que há mais de R$ 3 bilhões parados no Fundo, que agora poderão ser utilizados. “A urgência disso decorre inclusive de decisão recente do STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 59”, destaca o texto, lembrando que o Supremo determinou a retomada do Fundo Amazônia.

O relatório final da transição também aponta a necessidade de novo decreto para substituir o decreto 11.018/2022 sobre a estruturação do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O objetivo é “eliminar os retrocessos realizados na estrutura e no funcionamento do Conselho”. Para o grupo técnico do Meio Ambiente, a revisão do Conama é essencial para o cumprimento de decisão do STF na ADPF 623 e deve ser “elaborada uma nova regulamentação, a partir de amplo diálogo com a sociedade”.

Outras medidas a caminho

Apesar de o revogaço ambiental ter ficado limitado a estes nove decretos, há outras medidas do governo Bolsonaro que devem ser anuladas. O próprio relatório critica algumas iniciativas do atual governo. “O desmonte das políticas ambientais foi reforçado com o esvaziamento da agenda ambiental por meio da transferência de estruturas e órgãos vinculados ao MMA a outros ministérios e pela desestruturação da governança colegiada e aguda restrição à participação social”, afirma o documento. Essas transferências de órgãos vinculados ao Ministério do Meio Ambiente serão revistas.

Também devem ser revistos atos relativos às Unidades de Conservaçãos (UCs). “Os anúncios do governo de retificação, cancelamento e mudança de categoria das UCs já existentes incentivaram a invasão e a destruição de muitas delas”, destaca o relatório final do grupo da área ambiental, lembrando que a criação de Unidades de Conservação foi paralisada no nível federal durante o governo Bolsonaro. “O desmatamento incentivado pelo Governo se traduz em redução significativa da rica biodiversidade, bem como na queda dos níveis de captura de carbono nas contas do inventário nacional de gases de efeito estufa”, aponta o documento.

O relatório também aponta a necessidade do fortalecimento dos órgãos ambientais ao destacar que o quadro de servidores do Ibama, ICMBio, SFB (Serviço Florestal Brasileiro) e MMA tem 2.103 cargos existentes vagos; o Ibama, que tinha 1.800 servidores atuando na fiscalização ambiental em 2008, agora reúne apenas cerca de 700, nem todos em trabalho de campo. “Houve efetivo aparelhamento e ocupação de cargos gerenciais e de direção sem capacidade técnica e política de atuação na área de proteção e gestão ambiental. São contundentes os casos de perseguição e assédio aos servidores dos órgãos”, afirma o relatório.

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