Ricardo Lodi: O que fazer quando a Teoria da Conspiração se confirma?

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Por Ricardo Lodi Ribeiro, compartilhado de Justificando – 

O poeta Vinícius de Moraes, no Samba da Benção dizia que não há nada como o tempo para passar.  E com este, a história vai revelando aos poucos a verdade sobre fatos decisivos na vida das pessoas, dos países e do mundo.  É o que vem ocorrendo em relação ao cenário político que marcou a remoção do PT do governo, a prisão e a inelegibilidade do ex-presidente Lula e a eleição do presidente Jair Bolsonaro, quase sempre confirmando as denúncias que, à época, muitas vozes já alardeavam, inclusive a nossa, mas que eram abafadas sob a alegação de que tais alertas não passavam de páginas de uma teoria da conspiração, embriagadas pela paixão política.

Algumas publicações e declarações recentes dos personagens envolvidos nesses fatos nos revelam o complô político, judicial, militar e midiático que cevou o antipetismo até a chegada de um governo de extrema-direita pelo voto popular.

A mais recente delas é a publicação do livro do ex-comandante do Exército, General Eduardo Villas Bôas, que revela os bastidores do famoso tweet que ameaçou o STF nas vésperas do julgamento do habeas corpus de Lula, a partir de uma conspiração do Alto Comando do Exército contra a liberdade do ex-presidente, a independência do poder judiciário e o primado da Constituição sobre as armas.




Presentemente, também acompanhamos a confirmação das informações que o Intercept Brasil já tinha revelado, por meio da Vaza Jato, com a perícia sobre o material e sua inserção em sede processual no âmbito do STF, que mostram com clareza solar a orquestração entre a Lava Jato e o então juiz Sergio Moro para a prisão de Lula a qualquer preço, suas colorações partidárias, construção de versões em parceira com órgãos de imprensa, manipulações de delações premiadas e ligações com o Departamento de Justiça norte-americano.

Também vem a lume, a declaração do ex-presidente Michel Temer sobre a correção ética da ex-presidente Dilma Rousseff, que vem a se somar às menos recentes manifestações do ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha e do ex-senador Romero Jucá sobre as torpes motivações do golpe parlamentar camuflado de impeachment, que nem de longe tangenciam o tema das pedaladas fiscais, pretexto frágil que só poderia vingar no viciado contexto político que foi artificialmente construído.

Não é necessário lembrar que todos esses eventos históricos não se produziram espontaneamente, mas se traduziram em lances decisivos de uma partida de xadrez que começa muito antes, com a construção do antipetismo, a partir da utilização seletiva, engajada e artificial da ética na política, com o objetivo evidente de derrubar um projeto político que, apesar de não conseguir se libertar da extrema cautela de não contrariar os interesses centrais da classes dominantes, promoveu a ascensão dos mais pobres, ampliou as prestações públicas destinadas à sociedade e estabeleceu uma postura mais altiva nas relações internacionais.

Não que não tenha havido corrupção nos anos de governo do PT. Seria ilusão acreditar que um partido poderia chegar ao governo e mostrar-se incólume ao padrão de comportamento verificado em todos os governos desde 1500, como aliás acontece, em maior ou menor grau, em todos os países, pois a corrupção não nasce dos governos senão do próprio mercado.

O que houve de singular nos governos do PT foi a espetacularização midiática da corrupção utilizada para fins políticos eleitorais, como aliás, ocorreu em todos os governos reformistas da nossa história republicana, como no de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitscheck, João Goulart, e, no Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Todos esses políticos, salvo Jango que já era rico de família e aumentou suas riquezas por meio de seus negócios agropecuários, saíram da política sem patrimônio significativo, apesar das acusações levianamente impostas por seus algozes que, a despeito do discurso moralizante, muitas vezes enriqueceram na política. Do mar de lama do Catete, passando pela vassoura que iria varrer a bandalheira até chegar ao caçador de marajá, a história sempre se repete: primeiro como tragédia, e depois como farsa, já alertava Marx. Nessa toada, o triunfo dos moralistas sem moral encontrou seu ápice com o fenômeno do lavajatismo, que ganhou corações e mentes por todo o Brasil e decidiu as eleições de 2018.

Neste mesmo sentido, o resultado efetivo da Lava Jato, em boa hora extinta, pois se tornou a antítese de tudo o que anunciou fazer, é passar um atestado de idoneidade moral para Lula, pois nunca houve alguém tão investigado no Brasil. Se os resultados de todo essa atuação obsessiva são apenas as farsas do triplex do Guarujá e do sítio de Atibaia, resta pouco espaço para qualquer dúvida a respeito do não enriquecimento pessoal do ex-presidente.

Todos esses episódios nos revelam que o antipetismo não tem origem em supostos desvios éticos do PT, mas no que os governos do partido fizeram de popular e nacional em contrariedade às elites locais e estrangeiras. Portanto, não se dirige ao PT propriamente, mas a todo e qualquer projeto de esquerda em nosso país, como comprova o baixo nível da campanha enfrentado pelos candidatos Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PCdoB) no segundo turno das eleições municipais de 2020.

E nesse sentido, a saída para a esquerda não passa pela adesão ao discurso antipetista sob a esperança de triunfo desta ou daquela legenda sobre os escombros do partido. A luta pela construção da hegemonia dentre os vários projetos populares do país, que é legítima, deve se dar sem prejuízo da unidade de todas as forças progressistas que confrontem o neoliberalismo que exacerba a desigualdade e inviabiliza um projeto nacional de desenvolvimento. Assim, quem é de esquerda no Brasil vai precisar encarar de frente o antipetismo, pois, este se dirige e se dirigirá sempre contra qualquer tentativa de construção de uma nação mais justa e soberana, com o uso de todos os mecanismos judiciais, militares, midiáticos e políticos que marcaram tristemente nossos recentes dias, com o trágico resultado para a democracia, como hoje é dado a todos perceber.  A unidade das forças progressistas é o único antídoto para a consolidação do projeto autoritário em andamento no nosso país.

Ricardo Lodi Ribeiroé reitor da UERJ

Imagem: Antonio Cruz / Agência Brasil – Montagem: Gabriel Pedroza / Justificando

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