Por Ricky Goodwin, Facebook –
Os americanos fazem (ou faziam) constantemente a pergunta: onde você estava quando Kennedy foi assassinado. A minha versão é interessante.
Em novembro de 1963 eu morava na América Profunda. Num estado vegetativo chamado Alabama. Tinha 10 anos. A diretora da escola entrou na sala de aula aos prantos, lágrimas escorrendo, e anunciou: “The president was shot. They killed him”. As crianças imediatamente comemoraram: Yaaayyy!! E jogavam lápis e livros para cima.
A diretora disse que as aulas estavam suspensas por três dias em sinal de luto (no que os alunos comemoraram mais ainda).
Saímos todos para as ruas voltando a pé para casa (a escola era perto. Não usávamos aquele ônibus amarelo). Andei triste. No verão meu pai tinha me levado a Washington para conhecer John Fitzgerald Kennedy pessoalmente. Fiquei impressionado como aquele homem sorridente e vermelho se parecia com a fotografia presidencial na parede de nossa casa no meio do mato, lá no Brasil, e de quem minhas irmãs menores tinham medo porque ele nos seguia com os olhos por onde a gente fosse na sala.
Mas a algazarra infantil se replicava pelas ruas. Hoje sei que meus colegas de classe extravasavam nesse júbilo as opiniões iradas que ouviam em casa. Mulheres estendiam bandeiras americanas nas varandas, homens passavam em picapes urrando e sacudindo os braços, ao som de buzinas – me lembro de um homem que celebrava em seu gramado dando tiros de espingarda para cima. Me lembro também dos gritos “Justice! Justice!”, “Serves him right”, e da alcunha preferida dos rednecks do pedaço: “Nigga lova”.
Die, Nigga Lova!” Meus pais estavam arrasados. Minha família é historicamente ligada ao Partido Democrata. O telefone não parava de tocar e atendiam murmurando, em estado de choque. Mas criança é criança e coloquei casaco, gorro e luvas (novembro é gélido mesmo no Alabama) e fui pra rua brincar com as outras crianças liberadas para a gazetagem.
Brincamos de guerra. A gente gostava de aproveitar as valas fundas para escoamento de água ao longo das estradinhas para fingir que eram trincheiras. Nossas armas eram pinhas, atiradas como granadas – machucavam quando acertavam (vide guerra de mamonas).
Voltei pra casa já escuro e tomei uma bronca do meu pai. “Nós estamos vivendo um momento histórico e você só pensa em brincar!” Minha mãe também: “Você tem que acompanhar os fatos para poder lembrar e contar isto depois”! (Não foi por acaso que virei jornalista) Só falou dizerem “pra 50 anos depois você poder escrever sobre isto no Facebook”.
Passamos os próximos dias grudados em frente à TV. Naquele tempo ver eventos de magnitude acontecendo à sua frente na mesma hora tinha ainda mais impacto. Vi repetidas vezes o carro aberto passando e o corpo tombando. Vi o enterro, os cavalos e John John batendo continência à passagem do caixão de seu pai. Vi ao vivo Jack Ruby queimando o arquivo de Lee Harvey Oswald em frente às câmeras.
Meu pai pensou em ir para os funerais mas ficou para consolar minha mãe, que adorava Jackie K. Para eles, aquele Camelot era realmente um reino mítico. E naqueles dias acordavam de um sonho de que os Estados Unidos pudesse um dia realmente ser melhor.
Dois meses depois voltamos para o Brasil.
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