Por Walfrido Warde, compartilhado do Portal do IREE –
Os agentes do mercado financeiro são endeusados por uns e detraídos por outros. Mas pouca gente compreende a real importância do sistema financeiro e dos mercados. Essa incompreensão dificulta um debate sobre a sua adequada regulação e a criação de estruturas capazes de impedir que esses agentes capturem os governos.
A função precípua do mercado financeiro é garantir o financiamento da atividade empresarial. As empresas exercem função central à apropriação de meios de produção e à geração de capital. São elementos existenciais do capitalismo, desde o capitalismo comercial e, depois, com a viragem para o capitalismo financeiro e mesmo sob o capitalismo de Estado, que se caracteriza pelo salvamento estatal do capitalismo, pela atuação do Estado na economia, para garantir a autogeração do capital e o crescimento perene das taxas de lucro.
Nos mais essenciais mercados que compõem o sistema financeiro, os agentes de mercado participam de trocas econômicas que podem ter por objeto: 1. Títulos de dívida; 2. Participações societárias; 3. Empréstimos remunerados a pessoas físicas e jurídicas; e 4. Derivativos. É o núcleo duro, do qual decorrem todos os outros negócios e seus respectivos mercados.
Os bancos comerciais, por exemplo, recebem em depósito o dinheiro dos poupadores. É um tipo especial de depósito, pelo qual o depositário está autorizado a emprestar a juros o dinheiro do depositante. O empréstimo às pessoas físicas financia o consumo e às jurídicas garante o capital de giro, as exportações, a capacitação empresarial etc. É também possível transformar em títulos o crédito dos bancos contra esses tomadores e vendê-los a investidores. Em qualquer hipótese, o mercado de crédito bancário será essencial para financiar as empresas.
As empresas também podem buscar financiamento direto (desintermediado, ou quase) nos mercados primários (de Bolsa ou de balcão) de ações ou de títulos de dívida. Nesses mercados participam distribuidores e corretores de valores mobiliários, para dar segurança aos negócios, mas, sobretudo, para garantir que os ativos sejam ofertados para o maior número possível de investidores ou então para os investidores adequados em razão do tipo de ativo ofertado.
Os bancos, nesse contexto, ajudam a estruturar as ofertas, zelando para que os ativos sejam oferecidos pelo preço adequado e para que tenham uma demanda mínima. Gestores e assessores financeiros constituem fundos de investimento, para congregar investidores e direcionar seus recursos da forma mais rendosa possível, investindo-os direta ou indiretamente nas empresas que lhes pareçam mais capazes e, portanto, mais aptas a remunerar o investidor.
A compra e venda de títulos de dívida, de participações societárias ou de seus derivativos também serve para financiar as empresas. Os mercados primários de ações e de títulos de dívida organizam negócios entre as empresas e aqueles que nelas querem investir, em troca de retorno certo, no caso dos títulos de dívida, e incerto, no caso das ações.
Os mercados secundários, por sua vez, são destinados à revenda das ações e dos títulos de dívida comprados nos mercados primários. Existem para garantir liquidez para esses ativos, uma porta de saída àqueles que os compraram nos mercados primários. Sem isso, seria, se não impossível, muito difícil que uma empresa convencesse alguém a comprar ações ou debêntures de sua emissão, assim como seria igualmente difícil que alguém comprasse um carro zero-quilômetro se não houvesse o mercado de usados.
Os mercados de derivativos desses ativos permitem que os agentes se protejam contra a sua variação de preços (como é o caso dos hedgers) ou lucrem com ela (que é tudo o que fazem os especuladores). E, desse modo, proveem liquidez aos ativos negociados nos mercados primários e, assim, garantem reflexamente o adequado financiamento das empresas.
Esse sistema não é, contudo, à prova de falhas. Os agentes de mercado sabem da sua centralidade para o funcionamento da economia. Moldaram o sistema para assumir essa centralidade, que lhes permite exponencial concentração de poder econômico e político, de que decorre a invariável captura do regulador.
É essa a causa de uma regulação que beneficia os mais poderosos agentes de mercado, em detrimento dos setores produtivos e do povo. É a causa da concentração bancária, dos juros escorchantes e de todos os entraves ao financiamento desintermediado das empresas (grandes e pequenas). É a causa da incapacidade de detectar e de coibir adequadamente os mais diversos conflitos de interesse, invariavelmente em prejuízo do pequeno investidor, sob a sensação geral de que os negócios nos mercados são jogos de cartas marcadas.
A economia do País gravita no entorno do mercado financeiro, que se tornou o senhor de todos nós.
O artigo “Ricos, influentes e indisciplinados” foi publicado originalmente na revista CartaCapital.
Walfrido Warde
É advogado, escritor e presidente do Instituto para a Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE).