Adaptada ao palco, “Crônicas de Nuestra America” revela outra faceta do inventor do Teatro do Oprimido: a do criador literário, envolvido no esforço estético-político que marcou continente nos anos 1970
CRÔNICAS DE NUESTRA AMÉRICA está em cartaz no Rio de Janeiro, em curta temporada: de 12 a 28 de junho, de sexta a domingo, às 20 horas. A peça é exibida no Teatro I do Sesc Tijuca: Rua Barão de Mesquita, 539. Fone: (21) 3238.2167. Outras Palavras orgulha-se de participar da divulgação. Participantes de Outros Quinhentos, nosso programa de sustentação autônoma têm direito a ingressos gratuitos.Saiba como.
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Nos anos 1970, diante do surto de regimes ditatoriais na América Latina, o artifício da oportuna utilização da palavra literária, por trás de seus múltiplos segredos de significados mágicos, promovia uma guerra invisível a todas as formas de censura e coerção.
Desenvolveu-se assim uma literatura de arroubos estilísticos, em que a simbologia narrativa transformava a então opressiva realidade cotidiana num fantástico universo onde, só assim, todas as coisas podiam ser ditas.
Mas com importantes nomes no Brasil, no texto absolutamente ficcional (Murilo Rubião / J. J.Veiga) e, também, mostrando seus reflexos nas criações dramatúrgicas e nas crônicas da imprensa alternativa, como foi o caso do escritor e dramaturgo Augusto Boal.Era o realismo mágico com predominância argentina (Julio Cortazar / J.L.Borges) e colombiana (García Márquez), com ecos no Peru (Manuel Scorza), em Cuba (Alejo Carpentier) e na Venezuela (Arturo Uslar Pietri).
De seu exílio na Argentina, enviava para O Pasquim, irônicos relatos ficcionais de caprichada estética linguística que, mais tarde, viraram o livro Crônicas de Nuestra América (1977).
E que acabou, quase quatro décadas depois, servindo de inspiração para o envolvente espetáculo com o mesmo nome, em adaptação de Theotonio de Paiva e dirigido, com maestria, por Gustavo Guenzburger.
O marinheiro inglês John Sutherland (Henrique Manoel Pinho / Lucas Oradovschi), nas Ilhas Falklands, supre a nostalgia de seu exílio com a aventurosa trajetória de desocupado em terra estrangeira, entre amigos de botequim, amores ciumentos e traiçoeiros galanteadores.
Aqui, num equilibrado elenco (incluindo ainda no naipe feminino Adriana Schneider, Clara de Andrade, Carmen Luz e Larissa Siqueira), todos se destacam com seu dinâmico gestual cênico.
Essa acurada performance ocupa ainda um inventivo cenário quase suspenso no ar (Dani Vidal / Ney Madeira) – que remete ao cinema surrealista, anos 20, de René Clair, com uma climática luz (Paulo César Medeiros) e sugestivo score musical (João Gabriel Souto).
Tudo, enfim, num saboroso roteiro dramatúrgico, com ferino e inteligente humor que cria empatia com a plateia, provocando uma saudável reflexão político/filosófica por detrás do transcendente silêncio da palavra literária transmutada em ruidoso e significante clamor teatral.