Por Oscar Valporto, publicado em Projeto Colabora –
Dias azuis e amenos de inverno são perfeitos para flanar na praça inspirada nos Jardins de Versalhes
Nos dias azuis do inverno carioca, quando só se tempo para comer um sanduíche entre um trabalho e outro, são poucas as opções de tranquilidade em meio ao burburinho do Centro do Rio. Às vezes, até esqueço que estou a 10 minutos – talvez menos – a pé da Praça Paris. Mas ela está lá como costuma ficar durante a semana: limpa, arrumada e quase deserta – bem diferente dos sábados e domingos pela manhã quando há um movimento de atletas de fim de semana, crianças das vizinhanças e até famílias em busca de um lugar para piquenique. Para quem veio da Cinelândia, é um alívio após passar pelo abandono da Praça Mahtma Gandhi, tomada pela população de rua, e pela falta de cuidado com o Passeio Público.
Inspirada em jardins franceses, com suas alamedas, arbustos e formas geométricas, a Praça Paris não é lá muito adequada ao lazer durante o verão inclemente do Rio: faltam árvores, falta sombra. Mas seria perfeita para passeio e descanso nesta época do ano se não estivesse cercada de carros por todos os lados. Ao ser inaugurada, em 1929, com projeto do francês Alfredo Agache, era uma praça enorme – 48 mil metros quadrados – no coração de uma cidade em fase de remodelação. Agache inspirou-se nos jardins do Palácio de Versalhes, sede da monarquia francesa, numa época em que a capital do Brasil sonhava ainda em ser Paris.
Construída em área de aterro, roubada à Baía de Guanabara, a praça foi feita com material retirado do desmonte do Morro do Castelo. Era maior do que é hoje: ia até o fim da Avenida Rio Branco. Era vizinha ao Palácio Monroe, sede do Senado Federal, e ao Supremo Tribunal Federal (onde, hoje, é o Centro Cultural da Justiça Federal); perto do Theatro Municipal e das salas da Cinelândia; no meio do caminho entre a Câmara dos Deputados (Palácio Tiradentes) e o Palácio do Catete, onde despachava o presidente da República. A estátua equestre do Marechal Deodoro, hoje na praça do mesmo nome, ficava ainda na área da praça.
As obras do Parque do Flamengo abriram pistas de alta velocidade de um lado, na década de 60. As obras do Metrô derrubaram o Monroe e mudaram a face da Cinelândia nos anos 70. A Praça Paris virou um espaço para pedestres com três pistas para automóveis de um lado e outras 10 do outro – duas da Avenida Beira-Mar mais as oito do Aterro do Flamengo: espaço cercado por grades a partir da década de 1990, o que foi bom para preservação, e com apenas um dos quatro portões abertos para facilitar a segurança. Nos fins de semana, moradores da Glória e da Lapa ainda aproveitam o espaço, mas, de segunda a sexta, flanar por ali é um programa um tanto solitário. Pode estar um sol ameno ou tarde nublada: sempre parece haver mais bustos e estátuas do que gente.
A praça tem essa característica parisiense: de obras de arte em meio ao jardim. Quando foi inaugurada em 1929, eram poucas: quatro esculturas, em mármore de Carrara, alegorias das estações do ano, cópias das que estão no Palácio de Versalhes; as esculturas, também em mármore de carrara, “Leoa à Procura” e “Leoa à Espreita”, obras do francês François Auguste Hippolyte Peyrol, e o chafariz com seus quatro golfinhos, criação do paisagista André Le Note. As outras peças foram chegando com os anos: hoje são seis bustos – das cantoras Carmen Gomes e Vera Janacopulos, do jurista Clovis Bevilacqua, do professor e deputado Afonso Celso e educador e escritor Cândido Mendes e do próprio Alfred Agache – e os monumentos ao historiador Adolfo Varnhagem, Inaugurado em 1938 no centenário da fundação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, onde o homenageado foi primeiro-secretário, e ao Almirante Barroso, comandante brasileiro na Batalha do Riachuelo, estratégica para a vitória na Guerra do Paraguai.
Num começo de tarde azul de inverno, sob as bênçãos da Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro, somos poucos a aproveitar este cenário tranquilo e verde ao lado da poluição sonora e visual do Centro: uma moça desenha à beira do lago, outras duas passeiam com cachorros; um rapaz ensaia percussão no canto da praça. Nos bancos, há aqueles que aproveitam como podem a pausa do trabalho para o almoço – meu caso – e outras, certamente com menos sorte, que cochilam ao sol por não ter trabalho a fazer. Tivesse a cidade prefeito que dela gostasse, eu o instaria a imaginar um jeito de ocupar a praça, de torná-la mais amigável para que o carioca possa conhecê-la, admirar as esculturas e os jardins, fazer mais passeios ou piqueniques. Como não tem, melhor aproveitar que essa Paris está, pelo menos, bem cuidada.