Em 2008, entrevistei o engenheiro Karlos Heinz Rischbieter para a revista Brasileiros. Catarinense de Blumenau foi presidente do Banco de Desenvolvimento do Paraná, da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, ministro da Fazenda no governo do general João Figueiredo, em 1979, e terminou sua exitosa carreira como presidente do Conselho de Administração da Volvo. Aliás, é bom que se diga que Rischbieter, que morreu em 2013, deixou o governo do último dos generais por vontade própria.
René Ruschel, jornalista, para o Bem Blogado
Homem à frente do seu tempo teve a ousadia de apresentar ao então chefe-da Casa Civil, o poderoso general Golbery do Couto e Silva, um projeto econômico progressista que sugeria o afastamento dos militares da política e – pasmem! – o diálogo do governo com a classe trabalhadora, representada à época por um “tal de Lula”, sindicalista que começava a despontar no ABC paulista. Sua saída não se deu por esse motivo, mas Rischbieter passou a ser estigmatizado como alguém fora do eixo militar.
O “alemão”, como os mais íntimos o tratavam, estava anos luz de ser rotulado como socialista – quiçá, comunista. Era um capitalista convicto. No entanto, foi alguém com enorme sensibilidade social. Na conversa Rischbieter se mostrava esperançoso, porém cético em relação à sociedade verde-amarelo. “Enquanto o closet que guarda sapatos da madame for maior que o quarto da empregada doméstica, este País não vai dar certo. Isto é imoral” disse ele.
A grande surpresa foi quando, sem que perguntasse, confidenciou que tinha votado em Lula nas eleições de 2002 e 2006. Justificou afirmando que, pela primeira vez, um presidente teve a ousadia de adotar uma política econômica que visava à distribuição de renda. “Claro que as desigualdades continuam, mas essa foi a primeira tentativa que deu certo”.
Insisti em perguntar como seu circulo de amigos, a chamada “elite branca”, reagiu. “Todos são anti-Lula, preconceituosos” disse ele. “Justificam com argumentos do tipo ‘ele não sabe falar, erra o português…’. Costumo responder que Lula é o Brasil real. Ele tem a cara deste País, com todos seus defeitos e virtudes”.
Treze anos depois, Noam Chomsky, filósofo e sociólogo, professor do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, EUA, é enfático ao dizer que “raramente vi um país onde a elite sentisse tanto desprezo e ódio pelos pobres e trabalhadores. Está arraigado”.
O Brasil continua dividido entre a miséria e a pobreza de um lado e a elite predatória de outro. No pódio dos índices de concentração de renda ocupamos a vice-liderança, só perdendo para o Catar. Não poderia ser diferente. No país que exportou 2,016 bilhões de toneladas de carne em 2020 mais de 27 milhões de pessoas vivem abaixo da linha da pobreza, sobrevivendo com menos de R$ 246/mês, verdadeiros alpinistas de caminhões de lixo ou restos de carnes e ossos. Cerca de 15 milhões estão desempregados, enquanto 35% da população economicamente ativa, de acordo com o IBGE, sobrevive com até 1 salário mínimo mensal.
O paradoxo a que Rischbieter classificou como “imoral” agravou-se ainda mais. O exemplo melhor acabado foi quando a imprensa de Pindorama divulgou que o salário acumulado do general Joaquim Luna, presidente da Petrobras, é de R$ 260.400 reais, mensal. Um soco no estômago daqueles que se penduram nos trens da Central ou andam amontoados em ônibus e metrôs. O trabalhador que recebe 1 salário mínimo teria que trabalhar mais de 23 anos para ganhar o que o general recebe em apenas um mês. O Brasil de Bolsonaro não é apenas imoral. É canalha, desigual e não pode dar certo.
PS: Enviamos o texto acima para o filho do engenheiro, Luca Rischbieter, que enviou o comentário abaixo:
“Rischbieter faz falta com toda certeza. Teria ido visitar o Lula ali na Santa Cândida (local da Polícia Federal, em Curitiba, no qual Lula ficou preso durante 580 dias) , para pasmo dos amigos que tem ódio do judeu, opa, perdão, do petista.
Ele via com imensa desolação seus amigos ofenderem o Lula, por quem ele tinha uma admiração que eu só vi ele demonstrar pelo Zico. Mas, se tivesse que escolher, o Lula ganharia: “Quantas mudanças sem abrir mão do diálogo, sem incitar nenhuma revolta e, em um país tão imensamente desigual, sem derramar uma gota de sangue”. Acho que isso resume a visão do KR sobre o Lula. Sem dúvida, homens como Rischbieter fazem falta ao País”.
PS 2: A partir de hoje, o Bem Blogado trará textos do jornalista René Ruschel.
René Ruschel, economista e jornalista, graduado pela Universidade Federal do Paraná. Colaborou com os jornais Folha de Londrina e Correio de Noticias, ambos do Paraná, e as revistas Brasileiros e Carta Capital. Foi assessor de imprensa da Fundação Itaipu-BR, Fibra, em Curitiba-PR.