Quando eu era criança, na nossa rua morava uma família diferente, eram “os turcos”. Aos olhos da criança que eu era eles tinham uma aparência peculiar e falavam de forma estranha.
Naquela casa moravam muitas pessoas, várias gerações de mulheres que eram grandes, fortes, unidas, divertidas e acolhedoras; a da minha idade chamava-se Sandra e passamos muitos anos juntas brincando na rua e nos quintais da nossa infância.
Elas cozinhavam muito e bem e sempre estávamos por lá, provando aquelas delícias que estavam muito além do nosso arroz com feijão diário.
Muitos anos depois descobri que não eram turcos, mas sírios.
Assim percebo hoje que passei minha infância com a Siria em frente de casa, era só atravessar a rua. Quanta coisa aprendi.
Quando vejo o sofrimento desse povo por meio de fotografias penso nestes vizinhos (que não moram lá há vários anos e perdemos o contato) e vejo seus rostos nos corpos naufragados nas praias europeias.
Queria que eles todos tivessem vindo para a rua Espartaco para brincarmos de queimada, comermos esfiha e tomarmos quentão nas festas juninas da vizinhança.