Rita Lee: o Brasil, ou o que se conhece dele até aqui, morre junto com a cantora

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Fosse de um país de língua inglesa e ela seria tão grande – ou maior – do que Madonna, Lady Gaga e Beyonce

Por Julinho Bittencourt, compartilhado da Revista Fórum




Rita Lee em 1967.Créditos: Reprodução de Vídeo

Se foi um pedaço da minha vida. Com certeza das nossas vidas. Das vidas de todos que viveram e sobreviveram ao século XX. Rita Lee não foi apenas uma cantora e compositora. Ela foi a mulher que mais vendeu discos no Brasil.

Fica ali, entre os quatro ou cinco primeiros. Algumas listas colocam também Angela Maria. Os outros são Nelson GonçalvesRoberto Carlos absoluto e a dupla caipira Tonico e Tinoco.

Muito mais do que isso, Rita Lee foi a inventora do rock brasileiro. Antes de tudo e de todos, tanto com sua banda seminal Os Mutantes, quanto em sua carreira solo, incluindo aí a vitoriosa fase com Roberto de Carvalho, seu companheiro de toda a vida.

Fez discos primorosos, canções inesquecíveis. Foi chamada por João Gilberto – o que não é nem de longe pouca coisa – como a cantora mais afinada do Brasil. Tocava vários instrumentos, cantava e fazia vocais e, sobretudo, compunha como ninguém.

Rita Lee inventou a alegria no país do carnaval. Um professor querido me disse certa vez, em seu leito de morte que, se fosse jovem, só ouviria Rita Lee. Não por isso, passamos a tarde ouvindo a cantora.

E ouvir Rita Lee é como se lambuzar de açúcar, dos doces mais deliciosos, sem o menor medo de que suba a glicemia. É devorar os pratos mais finos sem medo de engordar ou subir o colesterol.

Ouvir Rita Lee é, e sempre foi, puro prazer. Assisti a inúmeros shows dela. Era incomparável no palco e fora dele. Tudo nela era feito com tamanho prazer que era impossível não virar fã. Dançava, cantava, tocava e fazia a multidão explodir com um estalar de dedos.

Foi irreverente e carinhosa. Certa vez, durante o aniversário de 450 anos de São Paulo, ela seria a mestre de cerimônias, a grande convidada, com toda a justiça. Rita Lee não se fez de rogada e passou a semana esculhambando a cidade durante uma estada no Rio de Janeiro, onde se apresentava. Justo no Rio, a cidade rival da pauliceia.

No dia do show havia a expectativa de que ela pudesse ser hostilizada pela plateia. Toda a tensão se desfez nos primeiros segundos, quando ela entrou fantasiada e com um estandarte escrito “I love Sampa”, com o tradicional coraçãozinho. Fez um show de arrasar. Provou ser mesmo a mais completa tradução da cidade, que insiste na mania de fazer humor com ela própria.

Desde Os Mutantes, com um rock mais experimental, até os clássicos da fase com Roberto de Carvalho, Rita Lee fez algumas das canções mais inventivas e divertidas do nosso cancioneiro. “Ovelha Negra” foi um hino cantado por inúmeras gerações. Apesar de ser referenciada pela imprensa por excessos, fez “Saúde”, o hino das academias, muito antes disso virar moda. Da geração do amor livre, fez todo o país se apaixonar com “Mania de Você”.

Como bem lembrou o editor da Fórum, Renato Rovai, fosse de um país de língua inglesa e Rita Lee seria tão grande – ou maior – do que Madonna, Lady Gaga e Beyonce. Não fosse Rita Lee e o Brasil não seria tão grande, não teria a mesma graça, não seria, sem dúvida alguma, um lugar tão divertido, apesar de todas as mazelas.

Com a morte de Rita Lee, morremos todos um pouco.

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