Por Marcelo Zero, Brasil 247 –
O pânico chegou ao governo e a seus apoiadores. Como na trama dinamarquesa de Hamlet, rui em enredos escabrosos o reino brasileiro de Golpenhague. Apesar do apoio da mídia, que tenta criar um clima artificial de otimismo, com o seu patético “parou de piorar”, não se pode mais esconder que o golpe fracassou em todas as frentes.
Com efeito, o golpe foi dado com os seguintes pressupostos:
1) A crise econômica se resolveria com relativa facilidade e presteza, assim que Dilma Rousseff fosse afastada.
2) A “sangria” seria estancada e os efeitos da Lava Jato ficariam circunscritos seletivamente ao PT, como era o desejo de seus apoiadores desde o início.
3) O governo Temer manteria uma monolítica e ampla base parlamentar e os manifestantes neoudenistas de classe média se encarregariam de dar sustentação social ao governo sem votos.
4) As reformas draconianas contra direitos previdenciários e trabalhistas e a desconstrução do Estado de Bem-Estar seriam realizadas sem maior resistência popular, dado o refluxo da esquerda e dos movimentos sociais.
5) A liderança popular de Lula seria neutralizada com relativa facilidade pela Lava Jato, o que asseguraria a transição política conservadora em 2018.
Pois bem, nenhum desses pressupostos se sustentou.
Quanto ao item 1, a “fada da confiança”, para usar a expressão irônica de Paul Krugman, veio ao Brasil, ao Reino de Golpenhague, e não gostou do que viu. Famílias e empresas com níveis recordes de endividamento, taxas de juros e spreads estratosféricos, massa salarial em declive acentuado e desemprego maciço.
Também viu que os mecanismos de que a economia brasileira dispõe para alavancar seu crescimento estão sendo desmontados. A cadeia do petróleo e gás, responsável por 13% do PIB está desarticulada, junto com a construção civil pesada. Até a produção de carnes, fundamental para nossas exportações, foi atrapalhada pelas trapalhadas de procuradores e delegados ignorantes e sedentos de holofotes. A política de conteúdo local e outros mecanismos de estímulo à economia nacional já não existem mais. Poços do pré-sal, nosso passaporte para o futuro, e do pós-sal estão sendo vendidos a preços aviltados. O crédito público, inclusive o do BNDES, instrumento fundamental para superação do primeiro impacto da crise mundial, em 2009 e 2010, está estancado, justamente no momento em que crédito privado minguou.
Além disso, o Brasil está presidido por um governo sem votos e sem nenhuma credibilidade, o qual não gera confiança em ninguém. Tudo isso deixou a assustadiça fadinha bastante desconfiada. Pensa ela que o Brasil foi colocado, com o austericídio golpista, numa posição semelhante à da Grécia. A Grécia também parou de piorar. Só que ficou bem pior e não consegue se reerguer.
Embora se considere natural que o decréscimo econômico tenda a ser menor este ano, após duas quedas brutais do PIB, nada indica que a recuperação tenha voltado. Ao contrário, as previsões mais confiáveis apontam para nova queda do PIB, em 2017. De qualquer modo, a sonhada recuperação está longe de ocorrer, o que vem frustrando as expectativas dos propugnadores do golpe. Agora, com anúncio do novo rombo orçamentário de R$ 58 bilhões do primeiro bimestre e com o provável aumento de impostos, o governo sem votos começa a ficar sem apoiadores firmes entre nossas oligarquias neoliberais. À exceção de alguns investidores externos, que estão comprando nosso patrimônio a preço de banana, todos estão frustrados com o pífio desempenho econômico do rei de Golpenhague. Para completar o quadro, o governo do golpe continua e continuará isolado, no plano externo.
Com respeito ao item 2, os artífices do impeachment sem crime de responsabilidade cometeram um erro de cálculo. Não levaram em consideração que essas operações, e seus agentes, têm dinâmica e interesses próprios. Têm inércia relativamente independente. Assim, embora a Lava Jato tenha incidido pesada e seletivamente contra o PT, desempenhando papel central no golpe, ela acabou atingindo também o PMDB, embora venha poupando visivelmente o PSDB. As últimas informações e vazamentos mostram claramente que a presidenta honesta foi substituída por uma turma envolvida até o pescoço com desvios e escândalos. A “turma da sangria”. A turma da fisiologia histórica e pesada. Mesmo com a proteção da mídia e com a possível acomodação que ocorreria no STF, o governo golpista não consegue esconder que definitivamente há algo bastante podre no Reino de Golpenhague. O discurso moralista hipócrita voltou-se contra seus autores.
No que se relaciona ao item 3, as expectativas também estão se frustrando. Nos debates sobre a previdência e a terceirização, ficou evidente que a base governamental começa a fraturar e a exibir desvios. Na votação da terceirização irrestrita, que institui legalmente a precarização do trabalho no Brasil, a base parlamentar do golpe mostrou-se bem mais acanhada que na votação da suicida Emenda Constitucional nº 95, de 2016. E poucos parecem estar dispostos a votar favoravelmente ao pior sistema previdenciário do mundo, que obrigará trabalhadores brasileiros, submetidos à informalidade, precariedade e rotatividade infames a contribuir quase meio século para poderem se aposentar com proventos integrais. Por outro lado, o retumbante fracasso da última mobilização da direita demonstrou que o apoio popular (de classe média) ao governo do golpe despencou.
Em relação ao item 4, houve gigantesco erro de avaliação política. Os golpistas confundiram as manifestações das classes médias tradicionais e brancas com o povo brasileiro. Acharam que aquilo era o Brasil inteiro se manifestando. Erraram. Eram apenas os eleitores de Aécio, associados à extrema direita protofascista e turbinados, em seu ódio, pelo neoudenismo hipócrita e midiático. Erraram de novo ao supor que, com o refluxo defensivo das esquerdas e dos movimentos sociais, a população iria aceitar passivamente os atentados contra seus direitos e suas esperanças. Ao contrário, as últimas e volumosas manifestações contra a cruel Reforma da Previdência descortinaram um fenômeno definitivo: a ofensiva política mudou de lado. Quem está na defensiva agora é a direita.
Com respeito ao último item, apesar dos esforços frenéticos e sistemáticos da mídia, de procuradores, de juízes e dos derrotados nas eleições de 2014, o fracasso beira o patético. De fato, até agora as conduções coercitivas ilegais, os vazamentos seletivos, as escutas sem amparo legal, o uso abusivo das prisões provisórias como elemento de pressão para delações direcionadas e outras tantas irregularidades produziram apenas um power point infantil, que escancara convicções partidárias e se omite na demonstração de provas e indícios. De acordo com o preclaro power point, o “maior esquema de corrupção da história” produziu, para o seu “comandante”, dois pedalinhos e um barco de lata.
Lula, a maior esperança (provavelmente a única) para a imprescindível conciliação política do Brasil e para a retomada do desenvolvimento, não cessa de crescer nas pesquisas. Em Monteiro, Paraíba, mostrou que tem dimensão humana e política inigualável. Lula foi o maior presidente da história do país, o único líder nacional que adquiriu envergadura mundial. O Cara. Com as contínuas trapalhadas do golpe, tende a ser imbatível em 2018. Só o deteria uma arriscadíssima e ilegal operação partidária-judicial.
Em contraste, a corte do Reino de Golpenhague é composta por anões políticos e morais, figuras menores, envolvidas, como no Reino da Dinamarca da trama de Hamlet, em tramas sórdidas e podres. Tramas contra o Brasil e seu povo.
De outro enredo shakespeariano, Macbeth, já se vê o bosque de Birnam, a floresta da democracia, caminhando em direção ao castelo de Dunsinane.
O golpe está perdido. Vai se encontrar na lata de lixo da história.