Salve Saracura: Mais de 50 entidades do Bixiga se posicionam contra a construção de edifícios na Grota do Bexiga

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Coletivo protocolou recurso administrativo contra a aprovação do Conpresp nesta quarta

Salve SaracuraO coletivo Salve Saracura, com o apoio de mais de 50 instituições do bairro da Bela Vista, protocolou nesta quarta-feira, 10, na Secretaria de Cultura, a entrega do recurso administrativo contra a aprovação feita pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo) da construção de 2 empreendimentos imobiliários dentro da área tombada da grota do Rio Saracura. Moradores e entidades preocupam-se com os impactos dessas novas construções.




Os empreendimentos em questão estão localizados na Rua Almirante Marques Leão (altura do 750) e Rua Rocha (altura do nº 600) e tiveram parecer favorável para que sigam com o processo de licenciamento, mas essa autorização, segundo a nota do Salve Saracura, “viola frontalmente o disposto na Resolução CONPRESP nº 22/2002, responsável pelo tombamento do bairro do Bixiga”.

O próprio Conselho decretou o tombamento de diversas áreas do bairro da Bela Vista, em 2002, devido à importância histórica e urbanística do território na estruturação da cidade de São Paulo e por ser um dos poucos bairros paulistanos que ainda guardam inalteradas as características originais do seu traçado urbano, a importância da permanência da população residente no Bixiga para ajudar a manter a identidade do bairro, entre muitos outros motivos. Clique aqui para ler a resolução na íntegra.

Na 724ª reunião ordinária ocorrida no dia 18 de janeiro, quando foram aprovadas as construções, o advogado Rafael Funari* teve a oportunidade de falar em nome do coletivo. “A aprovação deste empreendimento vai abrir um perigoso e, talvez, irreversível precedente no sentido de descaracterização do tombamento do Bixiga, isso porque se o prédio for aprovado, surgirão novos empreendimentos que poderão ser construídos no local com o fundamento de que a característica original do bairro, que motivou o seu tombamento, já não existe mais”, disse o advogado, também solicitando que seja convocada uma audiência pública com a comunidade, principal afetada pelos processos de transformação do bairro.

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Empreendimento na Rua Almirante Marquês de Leão

O conselheiro Guilherme Dell’Arco justificou seu voto favorável à aprovação do projeto da Trisul em dois pontos: promove adensamento demográfico interessante e renovação urbana. “Eu entendo que a ampliação da população residente da Bela Vista é algo importante que o projeto promove”, disse o conselheiro. No chat da reunião os participantes questionaram este argumento, uma vez que a Bela Vista é o bairro com maior densidade populacional da cidade, segundo o site da prefeitura de São Paulo. E ele também defende seu parecer por considerar que o espaço hoje é ocioso, um estacionamento, mas na própria documentação do DPH (Departamento de Patrimônio Histórico), há a informação de que houve denúncia de demolição irregular das casas que antes existiam ali.

Em relação ao empreendimento aprovado na Rua Rocha, não há informações dos motivos que levaram à aprovação, porque a reunião, que estava sendo transmitida ao vivo, foi interrompida com 1h34m46 de duração.

Quais os impactos dessas construções no bairro do Bixiga?

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Nos últimos anos os moradores da Bela Vista observam a chegada de novos empreendimentos imobiliários no bairro que tem proteção patrimonial, cultural e, inclusive, proteção ambiental.  Os impactos de construções de edificações nessa região podem se refletir por toda a cidade, uma vez que São Paulo ainda vive o risco de enfrentar uma nova crise hídrica.

“O Bixiga possui três bacias hidrográficas, Saracura, Bixiga e Itororó, que fazem parte de uma bacia hidrográfica maior, a do Anhangabaú. Ou seja, é um território produtor de águas e que desde a fundação de São Paulo abastecia o centro todo da cidade. Com o acelerado processo de urbanização, os rios do Bixiga foram canalizados sob ruas e avenidas”, explica o arquiteto Augusto Aneas*, complementando que o loteamento do bairro não previu parques e praças, prejudicando as áreas de permeabilidade no parcelamento do solo. Com as fortes chuvas, os rios não encontram terra permeável para o direcionamento das águas e, como resultado, temos alagamentos e enchentes.

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Trabalho de Adriana Casarotto Terra sobre a importância da rua na construção da identidade no Bixiga (Arte de MZK)

“Hoje parte dessas águas são absorvidas pelos poucos remanescentes de áreas verdes residuais, além dos quintais das casas antigas preservadas. Com o aumento das construções no Bixiga, aumentam-se as áreas impermeáveis do bairro. Muitas vezes os novos empreendimentos possuem estacionamento no subsolo, que rompem o lençol freático e agravam ainda mais essa situação, além de desperdiçar a água que é escoada para o esgoto e para as ruas”, complementa o arquiteto.

O antropólogo Luis Michel Françoso* relembra que a construção do Minhocão já causou um grande impacto nessas terras ao cortar o Bixiga, destruir casas e boa parte da história. “Os atuais empreendimentos que desejam avançar sobre o Bixiga atualmente trazem consigo um modelo de metrópole que se pretende “moderna” na medida que importa modelos de grandes metrópoles mundiais. Na verdade, o Bixiga, com seu modelo de habitação coletiva, pouco verticalizada, multicultural e em diálogo com a natureza, me parece ser exatamente a pista para um futuro com mais qualidade de vida para São Paulo. Esses novos empreendimentos não dialogam com o modo de viver do bairro e representam uma elevação dos custos de vida que irão resultar na expulsão das pessoas que construíram essa história e que não poderão continuar aqui”, reflete o antropólogo.

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Rua Garcia Fernandes, nascente do Rio Saracura

O coletivo Salve Saracura foi fundado em 2019 a partir da denúncia feita por uma moradora numa reunião da Rede Social Bela Vista. Ela viu uma movimentação de pessoas, máquinas e acompanhou demolição de casas na região das ruas Sílvia e Dr. Seng, bem ao lado da nascente do Rio Saracura, localizada na Rua Garcia Fernandes. Pessoas se juntaram para analisar a situação, agregar conhecimento e criaram o coletivo que elaborou um documento de denúncia na Secretaria do Verde e Meio Ambiente, na Secretaria de Licenciamento e no Ministério Público, solicitando que os órgãos apurassem a regularidade desta obra.

“O empreendimento em si não está em cima da nascente, mas a nascente está ao lado. O empreendimento está dentro do raio de 50 metros e, pela legislação do código florestal, a nascente tem que ser protegida num raio de pelo menos 50 metros”, explica a engenheira ambiental Fabiana Lucena*. A denúncia virou inquérito civil no Ministério Público, mas mesmo com a abertura desse inquérito, os moradores afirmam que há movimentação no terreno.

“Não é preservacionismo conservador ou elitista, exatamente o contrário. Não se trata de congelar uma área da cidade, mas intervenções e transformações devem considerar que: é pela preservação de um território popular no centro da cidade, com diversidade social e cultural diretamente ligadas à sua paisagem com encostas verdes, nascentes, casario antigo. Pelo cuidado com o patrimônio histórico e ambiental que ainda resta no Bixiga. Contra a expulsão de sua população pela especulação”, diz o arquiteto Victor Próspero*.

Quem quiser saber mais sobre o assunto pode seguir a página do @salvesaracura no Instagram. E para acompanhar essa e outras questões do bairro, todos podem participar das reuniões mensais da Rede Social Bela Vista, criada com o objetivo de promover um modelo de desenvolvimento sustentável da região por meio da articulação e fortalecimento da comunidade. Durante a pandemia as reuniões estão acontecendo de forma virtual e são sempre divulgadas na página www.facebook.com/redesocialbelavista e no Portal do Bixiga. Participe deste debate deixando seu comentário em nossas redes sociais @portaldobixiga.

*membros do coletivo Salve Saracura

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