Por Ademir Assunção, poeta, jornalista, Facebook
Há anos não comprava a edição dominical da Folha de São Paulo. Que me lembre, desde que o jornal se lançou com unhas e dentes na sanha golpista para derrubar a Presidente eleita Dilma Rousseff – aventura que abriu a Caixa de Pandora do Horror. O plano dos neoliberais, todos sabem, era eleger alguém do tucanato: Alckmin, Doria ou Luciano Huck. Mas o tiro saiu pela culatra.
Bem, comprei o mais importante porta-voz do neoliberalismo (depois da Rede Globo, claro) e me deparei com minha primeira (e única) surpresa: a magrelice do jornal, em contraposição ao preço turbinado: 7 pilas. Lembrei-me dos tempos em que a FSP tirava mais de 1 milhão de exemplares aos domingos e era bem gordinha – recheada, é verdade, com páginas e páginas de anúncios publicitários. O preço, vale lembrar, ficava na casa dos 4 pilas.
Fora isso, nada mudou. Fiz uma leitura cuidadosa, sublinhando trechos e anotando observações. A principal matéria, de três páginas, noticia o escândalo da VazaJato. Sim, um escândalo. No país tão sonhado pelos neoliberais (os States do Norte), o juiz-ministro já estaria desempregado e toda a sua trupe, se não na cadeia, em péssimos lençóis.
Mas o fato de o jornal dar ampla cobertura às descobertas do The Intercept não revela surpresa alguma. Além de procurar manter seu verniz de jornalismo independente, é fato que Moro e seus asseclas já fizeram o serviço principal: prender Lula. Porém, o deslumbramento com o poder os levou mais longe do que o combinado: se distanciaram do ninho tucano, foderam com os negócios (muitos dos anúncios que engordavam o jornal eram do boom imobiliário), cresceram em ambições e se aliaram à Serpente. Portanto, não interessam mais ao jogo.
Ou vai dizer que a FSP nunca notou o “modelo de negócio”, ops, de atuação, desses “procuradores esquisitões e juízes deslumbrados”, como escreveu Chico Buarque no “Lula Livre Lula Livro”?
Mas voltemos à leitura dominical do porta-voz do neoliberalismo. O verniz se quebra nas páginas seguintes: uma entrevista de página inteira com Rodrigo Maia – verdadeiro press-release de sua pré-candidatura à Presidência da República em 2022. Claro: é preciso testar alternativas neoliberais. Constrangedor o papel que os dois entrevistadores fazem, certamente atendendo à pauta dos editores muito bem-adestrados e remunerados: colocam a bola na marca do pênalti, amarram o goleiro e deixam a área livre para o possível novo messias estufar a rede.
A Folha nunca me enganou, assim como a Flip. Embora tenha gente boa trabalhando em ambas (cada vez menos, é verdade, mas tem), até para dar um verniz de credibilidade, as duas são especialistas em criar ilusões, mas atendem ao mesmo Deus: o Mercado. Por isso me espanta a ingenuidade dos que se escandalizaram com a política de avestruz dos organizadores da festança de Parati em relação ao ataque tresloucado dos 50 bolsonaristas e moristas contra o público do debate com Glenn Greenwald. Por que a surpresa? Alguma vez viram tucanos não meterem a cabeça no buraco na hora do quebra-pau? Tsk, tsk. A Flip é, sempre foi, a Daslu intelectual de Parati.
Concluo a leitura de todo o jornal, que não me tomou mais de 1 hora e meia, olho em volta, vejo a movimentação (algo desesperada) de meus pares e de muitos amigos e penso com meus botões: sim, estamos fodidos. Em breve muitos de nós já estaremos considerando a possibilidade Uber. Não como passageiros, mas como motoristas – precarizados, sem direitos e por conta e risco próprios.
Quanto a mim, volto a pensar com força na Saída Belchior: o sumiço. Talvez seja a única saída possível para manter alguma dignidade: zarpar fora, em busca de uma vida mais barata, em algum lugar agradável: uma praia, por exemplo, distante, pouco habitada, longe da turba insana.
Enquanto é tempo.
PS: tomara os deuses que eu esteja errado em minha leitura, mas depois de uma “queimada de filme” como esta, estou ciente que as saídas vão se tornando mais restritas. Mas, como reza o 5º artigo da Constituição, ainda temos o direito da livre manifestação de ideias. Nem que seja aqui, à margem da margem, como já escreveu o grande e digno Augusto de Campos. Se o século XXI me der razão – como também já escreveu outro grande poeta: Roberto Piva – que ao menos fique registrado meu depoimento nos autos do processo.