Publicado em RBA –
Campeã deste ano com temática fortemente social, escola carioca disputa bi com grito de alerta diante da violência contra povo favelado no Rio de Janeiro
Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo (à direita na foto) comemoram o samba campeão: ‘Porque de novo cravejaram o meu corpo, os profetas da intolerância. Sem saber que a esperança brilha mais que a escuridão’
São Paulo – Sob o enredo A Verdade vos Fará Livre, o samba da Estação Primeira de Mangueira para o carnaval de 2020, no Rio de Janeiro, foi escolhido na quadra da escola, na madruga do domingo (13). Os compositores Manu da Cuíca e Luiz Carlos Máximo participaram da autoria do samba que levou a Mangueira ao seu 20º título, em 2019. O enredo História pra ninar gente grande, também assinado pelo carnavalesco Leandro Vieira, permitiu à escola recontar a história do Brasil sob o ponto de vista de seus heróis negros e índios esquecidos pelos livros. Marielle Franco, vereadora do Psol morta em março de 2018, foi homenageada.
Este ano, a disputa entre três finalistas contou com novidades no regulamento, como proibição de intérpretes de outras escolas e gastos exorbitantes. A temática desenvolvida por Leandro Vieira trata de uma leitura crítica da biografia de Jesus Cristo.
O samba escolhido protesta contra a violência que extermina o povo favelado, agravada durante os governos de Wilson Witzel e de Jair Bolsonaro.
Ouça o samba e confira a letra
Eu sou da Estação Primeira de Nazaré
Rosto negro, sangue índio, corpo de mulher
Moleque pelintra do buraco quente
Meu nome é Jesus da gente
Nasci de peito aberto, de punho cerrado
Meu pai carpinteiro desempregado
Minha mãe é Maria das Dores Brasil
Enxugo o suor de quem desce e sobe ladeira
Me encontro no amor que não encontra fronteira
Procura por mim nas fileiras contra a opressão
E no olhar da porta-bandeira pro seu pavilhão
Eu tô que tô dependurado
Em cordéis e corcovados
Mas será que todo povo entendeu o meu recado?
Porque de novo cravejaram o meu corpo
Os profetas da intolerância
Sem saber que a esperança
Brilha mais que a escuridãoFavela, pega a visão
Não tem futuro sem partilha
Nem messias de arma na mão
Favela, pega a visão
Eu faço fé na minha gente
Que é semente do seu chão
Do céu deu pra ouvir
O desabafo sincopado da cidade
Quarei tambor, da cruz fiz esplendor
E num domingo verde e rosa
Ressurgi pro cordão da liberdadeMangueira
Samba que o samba é uma reza
Se alguém por acaso despreza
Teme a força que ele tem
Mangueira
Vão te inventar mil pecados
Mas eu estou do seu lado
E do lado do samba também
Favela tem história de superação
Em entrevista ao site Carnavalesco, Manu lembrou o bicampeonato e ressaltou o caráter democrático e revolucionário da disputa de samba, que colocou os compositores e compositoras em destaque. “O grande homenageado da Mangueira é Jesus Cristo, que luta pela partilha e pela fraternidade”, afirma. “Com certeza, ele aprovaria uma disputa como essa, aprovaria uma escola espetacular que trate a favela como um ato de sobrevivência, especialmente com esse governo que mais mata favelados e o samba mostra que estamos vivos”, disse a sambista.
“Esse bicampeonato pra gente tem uma importância pelo que significa a Mangueira. A gente que veio de outra escola, a Mangueira é tão grande e e importante quanto Portela, Mocidade e todas as outras. Mas, ela tem um diferencial que esse samba nos dá a oportunidade de falar que é a favela” destaca o Luiz Carlos Máximo. “É a única escola do Grupo Especial que fala da favela. A favela tem uma história de superação. Principalmente pelo momento que estamos. Estão matando gente nas favelas. É o recado que Jesus dá com o retorno dele. Ele fala da favela que é o povo dele. O povo oprimido. Ele chega e diz ‘se liga! Não existe futuro se não tiver partilha. Não terá o Messias!”, completa o compositor.
A Mangueira será a terceira a desfilar no domingo de carnaval, em 23 de fevereiro.
Com informações do site Carnavalesco