Santiago Maldonado, o primeiro desaparecido político da era Macri

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Por Rogério Tomaz Jr. , em Socialista Morena – 

Argentinos vão às ruas para cobrar do presidente o desaparecimento de um jovem enquanto lutava pela causa mapuche. Oposição acusa o governo de comandar a operação que resultou no sumiço de Santiago

QUE FIM LEVOU SANTIAGO?
O fascismo modernizou sua estética e seus métodos. Na Argentina, ele veste ternos caros e bem cortados, caríssimos sapatos de couro, gravatas estreitas de seda ou tailleurs sofisticados. E está sempre sorrindo e fazendo piadas nos canais de televisão e nas imagens difundidas – seguindo disciplinarmente uma estratégia pensada e executada a partir das pesquisas qualitativas e das análises de softwares que trabalham com big data– pelas redes sociais.

Santiago Maldonado, 28 anos, morador de El Bolsón, pequena cidade que fica 80 quilômetros ao sul de Bariloche, na Patagônia argentina, é o primeiro desaparecido político do governo de Maurício Macri, que iniciou o mandato em dezembro de 2015 e se notabiliza, no debate público, por uma persistente política de negacionismo ou relativismo dos crimes cometidos pela ditadura cívico-militar encerrada em 1985.




Desde 1º de agosto, quando foi detido durante um despejo forçado de um acampamento mapuche –nação indígena que resistiu três séculos à invasão espanhola e só foi subjugada com o nascimento do Chile e da Argentina– nos arredores de Esquel, não se sabe do paradeiro do artesão, que deixou a cidade de Buenos Aires para se somar à luta dos povos originários da região patagônica.

Entidades de direitos humanos fizeram a denúncia em coletiva de imprensa na terça-feira (8). “Que a comunidade argentina saiba que temos um desaparecido na democracia do senhor Macri”, alertou Estela de Carlotto, histórica militante de direitos humanos e presidenta das Avós da Praça de Maio, em matéria publicada pelo diário Página 12.

Desde 1º de agosto, quando foi detido durante um despejo forçado de um acampamento mapuche nos arredores de Esquel, não se sabe do paradeiro do artesão

“A sociedade argentina não pode tolerar que uma pessoa desapareça em uma época de pleno funcionamento das instituições”, criticou o jornalista Horacio Verbitsky, presidente do Centro de Estudos Legais e Sociais (CELS). Verbitsky considera “sem precedentes” o fato de o governo “lavar as mãos” quando está comprovada a ação da polícia e a presença na região do chefe de gabinete da ministra Bullrich, Pablo Noceti.

A ocupação mapuche Pu Lof Cushamen, à qual se juntou o jovem, reivindica há décadas a posse de uma área cuja propriedade formal é do empresário italiano Luciano Benetton, fundador da célebre marca que ganhou fama também nas pistas da Fórmula Um.

Noceti, braço direito da ministra, foi monitorar pessoalmente a ação da gendarmeria – polícia militar argentina, de caráter federal – e atribuiu a resistência indígena ao Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel, a “gente vinculada ao governo anterior” e a “extremistas curdos”. Na véspera do despejo em Cushamen, a gendarmeria usou balas de borracha e deixou várias pessoas feridas que foram a Bariloche protestar contra a prisão de Facundo Jones Huala, principal líder mapuche da região e preso político desde junho passado. Noceti, então, convocou as forças policiais locais e federais para “prender a todos e a cada um dos membros do RAM [acampamento mapuche] que produzam delitos na via pública”, segundo suas próprias palavras.

A repressão aos mapuche é antiga, mas este desaparecimento em tempos democráticos é inédito. Num país que teve mais de 30 mil vítimas fatais na última ditadura – algo equivalente, na época, ao assassinato de 140 mil pessoas pelo regime militar brasileiro –, a questão é traumática e entrou na agenda do debate eleitoral, embora seja censurada ou minimizada pelo grupo Clarín e demais meios alinhados ao governo.

“Neste domingo Santiago Maldonado deveria ter podido votar. Queremos expressar mais uma vez a nossa cobrança ao governo para que Santiago apareça com vida”, disse a ex-presidenta Cristina Kirchner e agora candidata ao Senado pela província de Buenos Aires, em pronunciamento já na madrugada da segunda-feira (15), após as primárias para renovação parcial do Congresso.

A repressão aos mapuche é antiga, mas este desaparecimento em tempos democráticos é inédito

Em sua fala, Cristina também citou a prisão política de Milagro Sala, líder popular do movimento de luta por moradia Tupac Amaru e deputada do Parlamento do Mercosul (Parlasul), acusada de “instigação ao crime” e encarcerada sem condenação desde janeiro de 2016 em Jujuy, província do noroeste argentino cujo governador Gerardo Morales é um dos principais aliados políticos de Macri.

Na escola onde Santiago estava registrado para votar, na localidade de 25 de Maio, a 230 quilômetros da capital federal, apareceram várias inscrições referentes ao episódio. “Santiago Maldonado não vota hoje” e “Santiago Maldonado! Presente! Aparição com vida já!” foram algumas das frases que surgiram em quadros negros.

Na sexta-feira (11), antevéspera das primárias, mais de 10 mil pessoas não se intimidaram pela chuva e foram à Praça de Maio exigir a “aparição já de Santiago” e a demissão da ministra de Segurança Pública, Patrícia Bullrich. Entre os presentes estavam vários parlamentares, dirigentes e militantes políticos, artistas – como o cantor Fito Paez, que gravou vídeo convocando para o ato – e personalidades públicas como o jurista e ex-juiz da Suprema Corte da Argentina, Eugenio Zaffaroni. A manifestação – sob a hashtag #AparicionYaDeSantiago – figurou entre os assuntos mais comentados do Twitter no mundo naquela tarde.

Neste domingo Santiago Maldonado deveria ter podido votar. Queremos expressar mais uma vez a nossa cobrança ao governo para que Santiago apareça com vida

A ação da qual resultou o sumiço do artesão seguiu o mesmo padrão conhecido dos movimentos sociais brasileiros que lutam por terra e moradia: remoção forçada com violência policial, queima de barracos e pertences pessoais, prisões e, óbvio, torturas psicológicas e tentativas de intimidação na madrugada. Santiago foi um dos detidos na operação, que contou com mais de 100 gendarmes, e não há qualquer informação oficial a respeito do seu destino.

Após uma semana do desaparecimento e de omissão total, o governo assumiu a responsabilidade sobre o caso ao anunciar que pagará 500 mil pesos, algo em torno de 29 mil dólares, por informações que permitam encontrar o jovem.

A gestão de Maurício Macri tem tratado a luta por memória e Justiça dos familiares dos desaparecidos como “o negócio dos direitos humanos”. Algumas iniciativas –todas derrotadas no Congresso– partiram do gabinete presidencial para proteger e garantir impunidade aos agentes da ditadura que ainda enfrentam processos judiciais.

Poucos dias antes das primárias do último domingo (13), o candidato macrista ao Senado na província de Buenos Aires, Esteban Bullrich, ex-ministro da Educação e sobrinho da ministra de Segurança, cometeu um ato falho que, na verdade, pode ser considerado um “sincericídio”. Durante entrevista, o candidato celebrou o fato de que a cada dia “um menino a mais é preso”. A frase causou espanto até na governadora da província, María Eugenia Vidal, que dirigiu um olhar fulminante ao ex-ministro, levando-o a tentar amenizar o que havia dito segundos antes. Eugenia Vidal, vale dizer, é o principal nome da direita para a eleição presidencial de 2019, já que a impopularidade e a política ultraneoliberal de Macri devem tirá-lo da disputa pela reeleição.

A simpatia sincera de Esteban Bullrich em favor do fascismo na Argentina não é novidade. Em 2005, quando era deputado nacional, votou a favor da posse de Luis Abelardo Patti, notório torturador, para uma vaga na Câmara. Por 161 votos contra 61 (entres estes o voto de Bullrich), a impugnação de Patti foi aprovada e no ano seguinte ele foi processado judicialmente, o que resultou em condenação a prisão perpétua pelos crimes de lesa-humanidade cometidos na ditadura.

Essa é a turma de Macri, que passou “do negacionismo à repressão”, como explica em detalhes Horacio Verbitsky em artigo no Página 12.

Rogério Tomaz Jr. é jornalista e escreve de Montevidéu, Uruguai

 

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