Santos Dumont e os caminhos da memória, por Luiz Alberto Melchert

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A proximidade com o inventor só não foi maior porque este viveu a maior parte de sua vida na Europa

Pot Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva, compartilhado de Jornal GGN




Em 1987, fomos, minha esposa e eu, para o casamento de uma amiga em Santiago. Alugamos um carro com motorista e começamos a passear pelo país. Em dado momento, adentramos a Av. Santos Dumont, uma das principais da capital chilena. Minha esposa atentou para o nome da via e comentou admirada. Foi quando o motorista perguntou se nós sabíamos o porquê do nome da avenida. Expliquei que era pelo fato de Paulo Henrique Santos Dumont, sobrinho do inventor e igualmente aviador, ter aterrado ali vindo do Rio de Janeiro, sendo o primeiro a atravessar os Andes por aquele ponto. Na verdade o Paulo admirou-se muito porque, ao pousar, encontrou uma banda de música tocando em sua honra e recebeu a chave da cidade. O motorista que nos levava disse que era a primeira vez que um turista brasileiro acertava o real motivo do nome e todos os demais atribuíam aos feitos do inventor.

Não sei o que aproximou Amália Santos Dumont, cunhada de Alberto, e minha avó. Quem sabe, nada além da extrema concentração de renda de um Brasil que acabava de abolir a escravidão e abraçar a República como forma de governo. O fato é que Paulo Henrique Santos Dumont nasceu em fins de 1907 e meu pai a meio de 1908 e ambos cresceram juntos, sendo alunos do Liceu Francês no Rio de Janeiro. Foram juntos do primário ao fim da Escola Politécnica da então Universidade do Brasil, hoje UFRJ. A última notícia que tive do Paulo foi sua presença na missa de 7º dia de meu pai no Rio de Janeiro em 1975. A proximidade com o inventor só não foi maior porque este viveu a maior parte de sua vida na Europa, mas meu pai e seu sobrinho viajaram juntos, velejaram juntos e passaram juntos por muitas aventuras, dignas de um livro, que nunca foi escrito porque, quando meu pai se aposentou, os tremores causados pelo mal de Parkinson já o impediam de escrever. Os cadernos que dariam forma a ele devem andar pela casa de algum de meus irmãos.

Em 1932, meu pai, que servia o terceiro ano de CPOR, recusou-se a participar da Revolução Constitucionalista. Foi preso, fugiu da Vila Militar e foi esconder-se justamente na casa de Alberto Santos Dumont em Petrópolis. Como a revolução durou pouco, meu pai voltou ao Rio e reintegrou-se ao serviço militar sem grandes punições. Também foi em sociedade com Paulo Henrique Santos Dumont que, a bordo de um Bugatti percorreram o interior do Brasil, num tempo em que gasolina era vendida em latas, pois ainda não havia postos de combustível. Chegaram a Goiás numa verdadeira aventura de que muitos hoje não teriam coragem de participar.

Em Poços de Caldas, numa bebedeira, jogaram um piano de cauda, pertencente a um cabaré chamado Gibimba, em pleno rio. Este foi o nome pelo qual foi batizado o veleiro oceânico que ambos partilharam por muitos anos.

Lá por 2017 fui atrás dos livros contábeis da Fazenda-Modelo Amália em Ribeirão Preto para documentar parte da história do inventor e da ligação entre a família dele e a minha. Fui atrás da prefeitura de Sta. Rosa do Viterbo que fora uma das colônias da fazenda e em que se encontrava a sede, onde encontrei alguns documentos. Outros eu encontrei na Fundação Santos Dumont. As portas me foram abertas por eu conhecer detalhes da vida do inventor, assim como de sua família. Veio  a pandemia e a pesquisa não se desenvolveu. O fato é que tudo o que foi de Alberto Santos Dumont deveria ser cultuado pelo Brasil como os Estados Unidos cultuam Edison, Bell ou os irmãos Wright, por controversa que suas invenções possam ser. Importante é que os fatos trilhem caminhos mais seguros do que os da minha memória.

Luiz Alberto Melchert de Carvalho e Silva é economista, estudou mestrado na PUC-SP, é pós-graduado em Economia Internacional pela Columbia University (NY) e doutor em História Econômica pela USP. No terceiro setor, sendo o mais antigo usuário vivo de cão-guia, foi o autor da primeira lei de livre acesso do Brasil (lei municipal de São Paulo 12492/1997), tem grande protagonismo na defesa dos direitos da pessoa com deficiência, sendo o presidente do Instituto Meus Olhos Têm Quatro Patas (MO4P). Nos esportes, foi, por mais de 20 anos, o único cavaleiro cego federado no mundo, o que o levou a representar o Brasil nos Emirados Árabes Unidos, a convite de seu presidente Khalifa bin Zayed al Nahyan, por 2 vezes.

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