O sonho de voar é antigo e muitos tentaram. Leonardo da Vinci projetou máquinas voadoras incríveis observando o voo dos pássaros, Júlio Verne imaginou helicópteros em romances, mas inovação é fazer acontecer, e quem faz foi um brasileiro.
Por Evandro Milet, compartilhado de Os Divergentes
O sonho de voar é antigo e muitos sonhadores e alguns malucos, ao longo da história, juntaram umas asas e pularam de lugares altos diretamente para a morte tentando voar. Leonardo da Vinci projetou máquinas voadoras incríveis observando o voo dos pássaros, Júlio Verne imaginou helicópteros em romances, mas inovação é fazer acontecer, e quem fez acontecer e permitiu o avião no mercado foi Alberto Santos Dumont.
Neto de um comerciante francês de pedras preciosas e filho de um engenheiro brasileiro formado em Paris que ficou rico plantando café, Alberto foi para a França com 18 anos, em 1892, com a recomendação do pai de procurar um especialista em física , química, mecânica e eletricidade para estudar. E decretou: “você não precisa pensar em ganhar a vida, eu lhe deixarei o necessário para viver”.
Frequentou cursos de construção mecânica e aeronáutica em Bristol, na Inglaterra, e logo, em Paris, percebeu que não havia ainda balões dirigíveis, apenas subiam e seguiam ao sabor do vento. Com o ímpeto de inovador construiu o seu primeiro balão esférico, chamado Brasil, em uma oficina de balonistas, já sugerindo alterações e mudando projetos, depois de ganhar experiência ao subir e descer inúmeras vezes em balões.
Em pouco tempo partiu para a construção de dirigíveis alongados, para fender o vento, e inovou colocando um motor a petróleo, desenvolvido nos automóveis e adaptado por ele, no lugar de máquinas a vapor utilizados anteriormente. O novo modelo, chamado de Dirigível Nº1, iniciou uma linhagem de dirigíveis numerados, sempre com inovações.
Em 19/10/1901 conseguiu um dos seus maiores feitos, com o dirigível Nº6, ao conquistar um prêmio para quem conseguisse contornar a Torre Eiffel e retornasse ao ponto de partida em 30 minutos, provando que tinha dominado a dirigibilidade desses aparelhos.
O aprendizado lhe custou inúmeros acidentes com risco de vida, enrolado em árvores e no alto de edifícios de Paris, mas ficou famoso em todo o mundo e foi inclusive parabenizado por Thomas Edison, autor de uma frase que cabia bem a Santos Dumont: “Não falhei; apenas descobri 10 mil maneiras que não funcionam”.
Paparicado por governantes de todo o mundo, o Presidente Theodore Roosevelt dos EUA o convidou para discutir a utilização de dirigíveis contra submarinos, já sinalizando o interesse que despertou para os sistemas de defesa.
Muito festejado em viagem ao Brasil, indagado por um jornalista porque não trouxera o seu balão, respondeu que para conseguir voar, necessitaria de mecânicos, de uma usina de hidrogênio e de um lugar com 50 metros de comprimento, cujas portas, além disso, deveriam ter dez metros de largura. Não é fácil desenvolver tecnologia sem técnicos e infraestrutura.
Em 1904, teve a glória de ser citado por Júlio Verne num artigo de revista, concordando com a ideia do brasileiro que defendeu a técnica do levantamento do voo até hoje adotada: o arranque contra o vento.
Depois de fazer 14 dirigíveis resolveu experimentar o mais pesado que o ar. Por isso o nome 14-bis, gravado na memória de todos os brasileiros. No dia 23/10/1906, pela primeira vez, um homem se elevou ao ar por seus próprios meios. O 14-bis subiu a 3 metros de altura, e percorreu 60 metros sob as vistas de mais de mil pessoas.
A essa altura começava a correr na Europa que os
teriam feito um voo em 1903 nos EUA com apenas seis testemunhas usando uma catapulta para lançar o aparelho. Esse pretenso voo, quase secreto, arremessado por uma catapulta, suscitou comentários de que “dessa maneira até uma locomotiva seria capaz de voar”.
Santos Dumont continuou a desenvolver seus aparelhos mais pesados que o ar até o Nº 20, em um formato elegante, mais parecido com o formato de um avião de hoje, que logo recebeu o apelido de Demoiselle, mas abriu mão de patentes e doou as ideias para o mundo.
Em 1910, depois de uma queda de 25 metros de altura, ele desiste da carreira de piloto, mas já com alguns sinais da esclerose múltipla que começava a afetar movimentos e provocar confusão mental.
A utilização dos aviões em guerras passou a lhe incomodar profundamente, até que a doença finalmente encaminhou o grande inovador para um suicídio no Brasil em 23/07/1932.
Essa história é contada em detalhes no livro “As lutas, a glória e o martírio de Santos Dumont” do autor Fernando Jorge.
Em todas as ações do inventor do avião percebe-se algumas das 5 características do DNA do inovador citadas por Clayton Christensen: Associar, questionar, observar, manter rede de relações(networking) e experimentar. Questionar as dúvidas sobre voar com o mais pesado que o ar e o material usado anteriormente em balões, observar motores de automóveis para usar nos aparelhos, manter uma rede no ambiente de interesse em aeronáutica, experimentar muito e associar ideias são ações marcantes em sua trajetória.
O Brasil deveria conhecer mais essa história.
– Evandro Milet – Consultor em inovação e estratégia e líder do comitê de inovação do Ibef/ES