E a coluna “A César o que é de Cícero”, do doutor em Literatura Cícero César Sotero Batista, está doce de dar água na boca. O cronista nos leva ao São Cosme e Damião do passado. Fiquei aqui pensando, será que o São Cosme e Damião do meu passado era melhor do que o atual? Vendo no Instagram (no final deste texto), a criançada de Paquetá em “revoada”, sentindo o gostinho doce do Dia, me veio à mente Machado de Assis em seu Soneto de Natal e assim o parafraseio: Mudou São Cosme e Damião ou mudei eu? (Washington Araújo)
Vamos ao texto açucarado do nosso cronista Cícero César
Antigamente, o dia 27 de setembro era dia de dirigir mais devagar, a fim de se precaver da passagem das tropas de sacoleiros e seus doces maravilhosos. Se você topasse com alguns desse grupos, era preciso deixá-los passar: como se estivesse diante da passagem de um trem de carga, não havia nada a fazer a não ser ter paciência.
Ontem vim devagar pelas ruas porque já tinha tido pressa demais. Topei com algumas filas ao longo do caminho que julguei serem do pessoal que se mantém fiel à tradição. Sim, eles ainda existem, resistem.
Mas não há dúvidas que os tempos são outros.
Quando eu era garoto, eu ficava imaginando como seria uma festa arromba de São Cosme e São Damião, daquelas que só se entrava com convite. Festa de verdade, em casa de subúrbio, com farta de distribuição de saquinhos de doces com as mais variadas guloseimas vintage, além de copo de guaraná e fatia de bolo confeitado.
Meu reino por um pirulito Zorro. Quem quer cocô de rato? E Maria Mole? E almofadinha de doce de leite? E aquele chiclete que vinha com um anel? E doce de abóbora?
É só falar de São Cosme e São Damião que me vem às narinas um cheiro de charuto de centro espírita. Não é desrespeito, pelo contrário; é a memória que tenho desses lugares, é uma coisa puxando a outra.
Talvez por eu ter tido tal experiência, eu nunca tenha associado o charuto ao poder. Quem fuma charuto, para mim, é entidade, não é capitão da indústria. E tenho dito.
Junto com o charuto, o defumador. E na lanchonete, seu moço me vê uma Grapette, me vê uma Crush. Tudo em garrafa cacarecada que já viu dias melhores. Eu não sou de pedir muito.
Ontem lá para as bandas de Marechal Hermes, segundo as informações que colhi dos professores com quem conversei, a frequência dos alunos foi baixa. Que bom, a criançada foi pegar doce.
A Manu, uma das minhas alunas, me disse no alto de seus nove anos que foi parar, mais a irmã, em Bento Ribeiro – uma estação de trem abaixo de Marechal Hermes, já outro bairro. Será que as duas procuravam por saquinhos de doces tão obstinadamente quanto, sei lá, as pessoas procuram pelo Santo Graal?
Se o Santo Graal tiver açúcar, eu não sei, não.
A última festa SCSD (sacaram a sigla? Viram como deu uma repaginada no visual, como o pessoal do Marketing sabe unir a tradição e a inovação?) a que estive presente foi justamente em Paquetá, a ilha dos meus amores. Pasmem, em Paquetá, ladies and gentlemen!
Foi num domingo de não sei quando, lá para as bandas da Padaria perto da rua Dois Irmãos, aquela de azulejo azul, bem bontitinha para os meus padrões, meio padaria meio boteco. Pois foi lá onde a gravata de Paquetá dá um nó que os meus filhos ganharam seus saquinhos de doce, brincaram de Pula-Pula, tomaram banho de mangueira, enquanto o pessoal mais adulto se esbaldava nas geladinhas disputando um pouquinho de sombras com os passaredo. Mais fiel à tradição, impossível.
Eu fiquei tão comovido com a cena que me lancei a procurar alguém que estivesse de charuto para, sei lá, me dar uns conselhos, uns pitos, uns passes. Enfim, trocar umas ideias. Como não farejei nenhum “Habana”, contentei-me com a fumaça do meu Hollywood e segui as minhas intuições, o que dá quase no mesmo. E como estavam em falta o Grapette e o Crush, fiquei na Brahma mesmo.
Sei lá, meus irmãozinhos, acho que a gente deveria carregar um saquinho desses doces da infância como quem carrega um patuá. Para proteger a infância do mau-olhado dessa gente ruim.
O do meu santo seria o pirulito Zorro e pronto. Balas Finni é o fim!
Veja imagem das crianças em busca de São Cosme e Damião em Paquetá neste último 27 de setembro. Link enviado pelo amigo Maurinho que, mesmo cinquentão, ainda corre atrás de docinhos.
https://www.instagram.com/reel/CxtjhnJPz0C/?igshid=MTc4MmM1YmI2Ng%3D%3D
Sobre o autor
Radicado em Nilópolis, município do Rio de Janeiro, Cícero César Sotero Batista é doutor, mestre e especialista na área da literatura. É casado com Layla Warrak, com quem tem dois filhos, o Francisco e a Cecília, a quem se dedica em tempo integral e um pouco mais, se algum dos dois cair da/e cama.
Ou seja, Cícero César é professor, escritor e pai de dois, não exatamente nessa ordem. É autor do petisco Cartas para Francisco: uma cartografia dos afetos (Kazuá, 2019) e está preparando um livro sobre as letras e as crônicas que Aldir Blanc produziu na década de 1970.