Por Washington Luiz de Araújo, jornalista, Bem Blogado –
“Não há mais o que encontrar no que de velho ficamos. Temos que nos procurar no que de novo seremos.” (Citação de Sérgio Ricardo)
Muito se falou e ainda se fala sobre a morte do cantor, compositor, instrumentista, cineasta e artista plástico Sérgio Ricardo. Com artistas, como ele, acontece assim: matam a sua imagem, condenando ao ostracismo; ressuscitam na morte real e depois tentam enterrar para sempre. Mas não conseguem, pois muita gente de memória, humanista, vai mantê-lo vivo.
Agora, nos holofotes fúnebres, lembraram mais que ele quebrou o violão no palco de um festival de música do que de sua bela e extensa obra. Não que a história não deva ser contada, mas ela não pode se se sobressair sobre o grande artista.
“Isso vai me perseguir até a morte. Eu vou morrer e o violão (a história da quebra do instrumento) vai ficar. “Beto Bom de Bola” (a música que tentou cantar) foi tão execrada que ninguém ouviu. Depois de morto, é que ela vai aparecer”, afirmava um amargurado e sarcástico Sérgio Ricardo,
Leia mais abaixo texto de um dos grandes responsáveis pela era dos festivais, Adonis Karan, amigo de Sérgio Ricardo, que o acompanhou até os últimos dias deste entre nós.
Aqui, o pianista Jorge Roberto Martins, Jorginho, (filho do grande compositor Roberto Martins) reverencia Sérgio Ricardo com “O Nosso Olhar” e “Zelão”.
Meu amigo João Lutfi
Por Adonis Karan
Eu estava nos bastidores daquele festival, quando ele quebrou o violão e o jogou na plateia.
Tradicionalmente, as vaias faziam parte daqueles festivais. O público começou a vaiar assim que Sérgio entrou no palco e começou cantar sua música “Beto Bom de Bola”. Som ruim, não estavam entendendo.
O jornalista Zuza Homem de Melo, que fazia parte da organização, abriu intencionalmente os microfones da platéia, amplificando e multiplicando as vaias, que provocaram o incidente e marcou toda sua história.
Esse foi o principal assunto que a mídia destacou para registrar sua morte. Mas foi injusta durante quase toda sua vida, mantendo praticamente no anonimato o genial e multi talentoso cantor, compositor, músico, cineasta, pintor, ator, poeta, escritor.
E com profundas convicções políticas por amor ao Brasil.
Fez parte da época de ouro da Música Brasileira. Compôs pérolas da nossa música. Conviveu com Dorival Caymmi, Newton Mendonça, Tom Jobim, Johnny Alf, Tito Madi e tantos outros.
Na casa de Nara Leão, conheceu João Gilberto e ficaram grandes amigos. Como trabalhavam na noite, gostavam de se encontrar na madrugada para conversar e caminhar pela Avenida Atlântica. João lhe apelidou de Mansur, que eu também adotei.
Sérgio era o ídolo de Chico Buarque, no início da sua
carreira. Ficaram muito amigos. Chico, que o apelidava de Turco, foi muito solidário durante o período em que Sérgio ficou hospitalizado.
Fizemos inúmeros trabalhos juntos, principalmente o maravilhoso cordel sinfônico “João e Joana”, que tive o privilégio de dirigir. Foi escrito por Carlos Drummond de Andrade, música do Sérgio e apresentado no Teatro Municipal pela orquestra sinfônica dirigida pelo maestro Silvio Barbato.
Contou com a interpretação e participação especial de Chico Buarque, Alceu Valença, Elba Ramalho, Zélia Duncan, Marina Lutfi, Telma Tavares e o próprio Sérgio. Foi inesquecível!
Mansur, meu amigo/irmão, sei que você deve estar numa festa aí em cima com João, Tom, Johnny, Caymmi, Tito, Nara, Aldir, e outros. Até breve, querido amigo! Me aguarde!
Fotos: capa da postagem – Chico Buarque no ensaio de “João e Joana”; antes do texto de Adonis Karam: Antonio Pitanga, Adonis e Sérgio Ricardo no lançamento do seu último filme, “Bandeira de Retalhos”.
Aqui, Sérgio Ricardo canta “Cálice”, de Chico Buarque e Gilberto Gil
https://www.youtube.com/watch?v=zBLnx1uP9MQ
Chico Buarque sobre o amigo Sérgio Ricardo e parafraseando outro grande amigo músico que também partiu, Wilson das Neves: “Aprendi tudo com o Sergio. Quem me ensinou sabia”
Em 18 de junho, Chico Buarque apareceu numa live feita pelos filhos de Sérgio Ricardo em razão dos seus 88 anos anos, na ocasião, Chico cantou “Máxima Culpa e afirmou: “Assim que nós sairmos dessa encrenca do vírus e assim que nós sairmos da encrenca desse presidente da República, o trio vai comemorar: Turco, Mohamed e Comendador Sem Vergonha.”
Turco é Sergio, nascido em Marília (SP) numa família libanesa e cujo nome de batismo é João Lutfi. Mohamed é João Bosco, também de família libanesa. E Chico é o Comendador Sem Vergonha. Apelidos usado entre eles.
Aqui, Sérgio Ricardo canta com Djavan “Grande Amor”, de Chico Buarque;
https://www.youtube.com/watch?v=gVrvUGFb5ec
Aqui, quase uma hora de entrevista com Sérgio Ricardo, no programa Conexão, de Sérgio Dávila, 2012:
https://www.youtube.com/watch?v=EsULuhjGkSQ
Emocionante cena do filme “Bacurau”: enterro de Carmelita, Sérgio Ricardo Canta “Bichos da Noite”, com o povo no enterro fazendo coro.
https://www.youtube.com/watch?v=pW5JW3C3hRE
Aqui, “Zelão”: “No fogo de um barracão só se cozinha ilusão…”
https://www.youtube.com/watch?v=xtoXfw2Sjmo
Aqui, em “Máxima Culpa”,
https://www.youtube.com/watch?v=4xgcM6skp0s
Aqui, em “Se Entrega Corisco”, com trecho do filme “Deus e o Diabo na Terra do Sol” , de Glauber rocha.
https://youtu.be/CZ_2wL5b1Nc
Aqui, “Antonio das Mortes”, num trecho do filme documentário” Antonio das mortes, matador de cangaceiro (Hagemeyer, 2017), https://www.youtube.com/watch?v=7YWGjgiE_XY
Veja aqui o filme “Bandeira de Retalhos”, filme de Sérgio Ricardo;
https://www.youtube.com/watch?v=iRLKpzgVH1o
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