Por Washington Luiz de Araújo, jornalista, Bem Blogado
Sarau Delivery faz de uma bela carta um sarau. Carta indignada e delicada de Isabel do Vôlei, que liga a sua vida de esportista à cultura. E mostra com algumas letras, por A + B, que este desgoverno que está aí é o da devastação cultural. Um desgoverno que vive de descaso, de desconsideração, de ódio, de estupidez.
Neste sarau, procuramos apresentar os nomes de nossa cultura que Isabel do Vôlei cita na carta, lembrando sua infância, adolescência e juventude.
É uma carta certeira como um saque da campeã, endereçada a nós, quando fala do amor à cultura, mas que tem como alvo aqueles que vivem de obstruções cerebrais e intestinais, jogando suas frustrações, ódio e autoritarismo num povo que quer, tão somente, ser feliz, livre.
Como num sarau, fomos nos emaranhando pela carta de Isabel, indo de Caetano a Chico e Gil, de João Gilberto, Melodia e Milton, de Fernanda Montenegro, Zezé Mota e Cartola. Leia de João Cabral a Manuel Bandeira, Cecília Meirelles a Drummond e Eduardo Galeano. Relembre o filme “Tudo Bem” e a peça teatral “Trate-me Leão”.
Pela temática por nós escolhida, mandamos um recado na carta que, infelizmente, não mudará o pensamento daquele que se senta na cadeira de presidente, mas como nos faz bem este escrito de Isabel do Vôlei Salgado.
Por Isabel do Vôlei Salgado.
“Meu nome é Isabel, joguei vôlei na seleção brasileira, representei o Brasil por muitos anos. Resolvi escrever essa carta aberta, não para falar de esporte, mas para falar da cultura, porque acredito que só pude ser a jogadora que fui e a pessoa que sou graças aos filmes que vi, aos livros que li, às músicas que ouvi, às histórias que minha avó me contava.
Minha mãe era professora e escritora, amava os livros, adorava música, e foi ela quem me apresentou a Chico Buarque, Caetano, Cartola, Luiz Melodia, entre tantos grandes compositores brasileiros. Lembro, quando chegava do treino muito cansada, que me deitava no sofá e ela me falava dos poetas que amava: Bandeira, Joao Cabral, Cecília Meirelles, Drummond…. Hoje tenho certeza que aquela atmosfera foi muito importante na minha formação.
Quantas vezes, ouvindo e dançando as músicas de Gilberto Gil com Jacqueline, a grande campeã Olímpica, comemoramos vitórias e tentamos esquecer a dor de algumas derrotas.
Leia aqui a carta completa de Isabel.
Gilberto Gil – Pessoa Nefasta, do próprio
Tu, pessoa nefasta / Vê se afasta teu mal / Teu astral que se arrasta tão baixo no / chão / Tu, pessoa nefasta / Tens a aura da besta / Essa alma bissexta, essa cara de cão
Caetano Veloso – “Podres Poderes”, de sua autoria
Enquanto os homens exercem seus podres poderes / Motos e fuscas avançam os sinais vermelhos / E perdem os verdes / Somos uns boçais
Chico Buarque em “Morte e vida Severina”, música dele sobre o poema de João Cabral de Mello Neto
Milton Nascimento em “Canção Amiga”, dele e de Carlos Drummond de Andrade
Luiz Melodia em Congênito, de sua autoria.
Cartola canta “O Sol Nascerá (A Sorrir)”, dele e de Elton Medeiros
Fernanda Montenegro lê “A Pequena Morte”, de Eduardo Galeano
“A pequena morte”, de Eduardo Galeano
“Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu voo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói.
Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia.
Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce.”
Vídeo sobre “Trate-me Leão”, do grupo ASDRÚBAL Trouxe o Trombone
O grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone foi sucesso de público e crítica desde sua estreia, em 1974, com O inspetor geral. A montagem de Trate-me, leão, com Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães, Perfeito Fortuna, Evandro Mesquita, Nina de Pádua e Patricia Travassos, fez do Asdrúbal o representante do que se passava nos corações e mentes da juventude dos anos 70.
Assista ao curto documentário que traz bastidores e a última apresentação da peça mais famosa da trupe que revelou Hamilton Vaz Pereira, Regina Casé, Luiz Fernando Guimarães e muitos outros
Zezé Motta cantando “Como nossos pais”, de Belchior em cena do filme “Tudo Bem”, de Arnaldo Jabor. 1978.
https://www.facebook.com/mpb.historia/posts/3298516646894450
Motivo, Cecília Meirelles
Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.
Poética, Manuel Bandeira
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação
Brasil de Fato: NARRATIVA DO ÓDIO
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