Por Washington Luiz de Araújo, jornalista, Bem Blogado
“Um único ser nos falta, e fica tudo deserto.” (Alphonse de Lamartine)
Você não morreu: ausentou-se / Direi: Faz tempo que ele não escreve / Irei a São Paulo: você não virá no meu hotel / Imaginarei: Está na chacrinha de São Roque / Saberei que não, você ausentou-se. Para outra vida?! A vida é uma só. A sua vida continua /
Na vida que você viveu / Por isso não sinto agora sua falta. (Trecho do poema “A Mário de Andrade Ausente”, de Manuel Bandeira)
Sarau Delivery faz uma triste ponte entre as ausências geradas pela ditadura militar e as da pandemia, com mais de 450 mil mortes numa macabra parceria com o genocídio.
Sim, há similaridade nas tragédias. E os responsáveis pela semelhança são os que enaltecem, criminosamente, a ditadura militar, a tortura, a morte.
Que façamos uma reflexão sobre aqueles que perderam seus entes queridos na ditadura militar e, agora, na pandemia. Tantas ausências….
Trazemos uma crônica e duas músicas do grande cantor e compositor Ednardo, ele que sentiu e sente na pele uma ausência devido a Guerrilha do Araguaia.
Apresentamos ainda Chico Buarque e Zizi Possi em “Pedaço de Mim”. E também Chico em “Angélica”, sobre Zuzu Angel, assassinada na ditadura por cobrar o assassinato de seu filho, Stuart Angel, na ditadura.
Das tantas músicas desta pandemia, sempre nos vêm à mente “Inumeráveis”, de Chico César e Braulio Bessa. Já a trouxemos aqui, num Sarau anterior, mas nunca é demais lembrarmos destas perdas, caras para nós humanistas e tão banais para os genocidas.
Sim, é um Sarau triste. Triste para nós, que já gastamos nossas digitais no emoji de choro, de tristeza no Facebook. Figurinhas que nos remetem a tantas notícias de partidas em razão da pandemia, dos massacres, do genocídio em progresso nos roncos das motocicletas, nos cercadinhos da morte.
Crônica sobre Ausência(Ednardo
“Pensei: pronto, a moça está em casa, mas ela nada de sair do carro e me olhava como se fosse a última vez. Deitava a cabeça em meu ombro, me beijava e dava carinhos. De repente, vi seus olhos se encherem de lágrimas e foi uma cachoeira, e eu sem entender muito do que estava acontecendo”.
Ednardo: “Fiz duas músicas pra ela e de forma geral pr’aqueles jovens – “Ausência” e “Araguaia”. Era o tempo que exigia dos jovens uma definição de ação, e a que eles encontraram foi esta.”
“Ausência” (Ednardo)
Tu lembras, a rua estreita, estrada tão antiga
E eu mostrava a ti uma cantiga
Uma cantiga antiga do lugar.
Na rua, na paz da lua, o sonho se fazia
E sem querer então eu esquecia
Que já não temos tempo prá sonhar.
Sorrias, e a tua voz a cada instante amiga
A um só tempo em um abraço estreito
Fazia vida ao violão num jeito de se fazer amar.
Sorrias, e a tua voz, estranho, estrada, amiga
Perdeu-se ao longe na partida
E não ficou ninguém em seu lugar.
Sorrias, e a tua voz a cada instante amiga
A um só tempo em um abraço estreito
Fazia vida ao violão num jeito de se fazer amar.
Sorrias, e a tua voz, estranho, estrada, amiga
Perdeu-se ao longe na partida
E não ficou ninguém em seu lugar.
Chico César – canta “Inumeráveis”, dele e de Braulio Bessa
“Por isso não seja tão indiferente. Se números frios não tocam a gente. Espero que nomes consigam tocar”
Chico Buarque canta “Angélica” (Chico Buarque e Miltinho)
Chico Buarque e Zizi Possi: Pedaço de Mim (Chico Buarque), 1978
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Sarau Delivery é um projeto do Bem Blogado que traz, três vezes por semana, homenagens a artistas, com apresentações para o público que está em casa, recolhido na pandemia, e quem, por circunstâncias, está trabalhando fora de casa.
A seção está aberta para músicos, poetas, contadores de história…
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