Por Washington Luiz de Araújo, jornalista, Bem Blogado –
“- Você vai ser é enquadrado: / Retira os óculos, recolhe o homem / Fecha o cadeado, incomunicabilidade com ele! / Ficha e tira o retratinho, dezoito por vinte e quatro / Data e bota o número embaixo (…) Me recolheram e era um cadafalso / Meu quartinho parecia um protótipo / De um conjugado water-closed: quelque chose! / E tá contada a minha história / Que a maioria não viu / Fiz um minuto de silêncio / Todo o povo me aplaudiu / Modéstia à parte, sou um homem inocente! / Quero que este delegado…
(Trecho da letra de Jards Macalé, “Tira os Óculos e Recolhe o homem”)
Sarau Delivery traz Jards Macalé, cantor, compositor e ator que completou, em 03 de março, 78 anos. O artista que é do bairro da Tijuca, de onde saíram artistas como Aldir Blanc,Tim Maia, Jorge Benjor, Erasmo Carlos, Carlos Imperial e tantos outros. Salve, Macalé?
Salve o seu bom humor, mesmo nas horas difíceis da ditadura,. Quando foi preso no Espírito Santo, ao lado de Moreira da Silva, ao acontecido, fez uma música e depois foi cantar em homenagem aos presidiários, na Papuda, em Brasília. Na letra de “Tira os Óculos e Recolhe o Homem”, o artista desmoraliza o responsável pela sua prisão, o delegado e, por tabela, todos os ditadores.
Tempos de ditadura, quando se prendia por qualquer coisa, por fatos inventados pelas ditas autoridades. Infelizmente, tempos que têm voltado, com pessoas sendo presas por aqueles que cometem o crime de falsear a verdade. Como aconteceu com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Lula e Jards Macalé nem sempre compreendidos, mas que sempre responderam com espirituosidade à truculência imposta aos brasileiros.
Vejam Jards Macalé cantando “Gotham City”, música que fez com Capinam e que defendeu em 1969, no Festival Internacional da Canção. Foi vaiado, pois não entenderam que ele ali, se fazia uma crítica à ditadura.
Leia sobre a biografia de Jards Macalé, “Eu só Faço o que Quero” (Fred Coelho), lançada recentemente, da qual disse que trouxe fatos “que eu nem me lembrava mais”.
Moreira da Silva e Jards Macalé em “Tira Os Óculos e Recolhe o Homem”, a música sobre a prisão na época da ditadura. Participação luxuosa de Grande Otelo. Vale a pena ver e ler a letra.
“Tira Os Óculos e Recolhe o Homem” (Jards Macalé)
Estava deitado no meu apartamento
Dormindo tranquilamente
Entregue aos braços de Morfeu
Quando chegou um fariseu…
Um só não, eram uns dez ou vinte, espadaúdos
Homens que davam a impressão
De terreno de dez de frente
Por vinte e quatro de fundos
Que foi dizendo: “levanta que está na hora
A hora é esta, vamo logo, sem demora”
Fiquei atônito e liguei pra Morengueira
Que estava hospedado naquele mesmo hotel
E fui dizendo: “ó Kid, venha cá!
O homem quer me conversar!”
Eu vou cumprir com meu papel
É seu destino, está escrito lá no céu…
A esta altura, pobre do meu coração:
Lá embaixo me esperava, de porta aberta, um camburão
E lá fui eu, com meu irmão Moreira
Fomos cantando, levando na brincadeira…
Em lá chegando, já na delegacia
Fomos adentrando, pensando estar tudo bem
Mas o delegado estava de mau-humor
Senti na sua fala logo aquele horror
Não entendendo, não era bem isso que eu queria
Ao invés de uma quente, fui entrando numa fria
Quis apelar para o bom-senso do delegado
Ele não atendeu: “- Você vai ser é enquadrado:
Retira os óculos, recolhe o homem
Fecha o cadeado, incomunicabilidade com ele!
Ficha e tira o retratinho, dezoito por vinte e quatro
Data e bota o número embaixo…”
Me recolheram e era um cadafalso
Meu quartinho parecia um protótipo
De um conjugado water-closed: quelque chose!
Apelei pelo Moreira, minhas mães, meus orixás
De frente veio Ogum, com ele Oxóssi e Oxalá
Vieram os três pra nos salvar
Não sou vidente, mas senti algo bem normal
Eram meus protetores que já estavam junto a mim
Lá pelas tantas abriram o cadeado
Fui levado para baixo, já lá estava o advogado que diz:
“Vamos embora que este ar está empesteado
Vamos pegar a ecologia lá fora…
Tudo verdinho, tudo bem!”
Saí do carceragem, fui direto pro trabalho
Sustentar minha família e comprar meu agasalho
Encontrei Moreira, toda turma me abraçou
E cantamos tudo aquilo que a história não contou
E tá contada a minha história
Que a maioria não viu
Fiz um minuto de silêncio
Todo o povo me aplaudiu
Modéstia à parte, sou um homem inocente!
Quero que este delegado…
“Gotham City” – IV Festival Internacional da Canção (1969) – Jards Macalé e Capinam
Em 1969, durante o IV Festival Internacional da Canção, Gotham City, composta por Jards Macalé e Capinan foi bastante vaiada pela platéia do Maracanãzinho, que não compreendia que através da letra, havia uma crítica ao momento que o país atravessava.
Só serei livre se sair de Gotham City / Agora vivo como vivo em Gotham City / Mas vou fugir com meu amor de Gotham City / A saída é a porta principal / Cuidado! Há um morcego na porta principal / No céu de Gotham City há um sinal / Sistema elétrico e nervoso contra o mal / Meu amor não dorme, meu amor não sonha / Não se fala mais de amor em Gotham City
Jards Macalé canta “Vapor Barato” (Waly Salomão)
Biografia de Jards Macalé, de Fred Coelho, conta a trajetória de um dos grandes nomes da música brasileira
Biografia de Jards Macalé: um grande nome da música brasileira
Jards Macalé no álbum “Besta Fera”, álbum completo
https://www.youtube.com/watch?v=-eVbn_RuEdU
5 fatos sobre Jards Macalé que talvez você ainda não saiba
https://noize.com.br/5-fatos-sobre-jards-macale-que-talvez-voce-ainda-nao-saiba/#1
Site Biblioo: É a poesia, a música e os compositores que jamais morrerão que nos concedem o contraponto nesse mundo dos horrores das ditaduras, das censuras, das noites longas em que vivemos
Por que a melhor coisa do mundo, além do amor, e cantar
https://biblioo.info/porque-a-melhor-coisa-do-mundo-alem-do-amor-e-cantar/
Vá ao canal do Youtube do Bem Blogado. Curta, compartilhe e assine:
https://www.youtube.com/user/bemblogado/featured
Sarau Delivery é um projeto do Bem Blogado que traz diariamente homenagens a artistas ou apresentações para o público que está em casa, recolhido no combate ao coronavírus.
A seção está aberta para músicos, poetas, contadores de história…
Preencha seu tempo com arte e resistência!