Saúde da Família no Rio: um retrato do desmonte

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Sob o governo Temer, novas regras fragilizaram a estratégia do SUS de atenção primária. Estudo no Rio de Janeiro aponta como o corte orçamentário fez cobertura despencar de 63% para 40% em três anos; número de equipes caiu quase 35%

Por Gabriela Leite, compartilhado de Outras Palavras




Agente Comunitária de Saúde em uma ação de entrega de alimentos na Rocinha, Rio de Janeiro. Imagem: RioOnWatch

Apesar de o SUS nunca ter recebido financiamento público à maneira como foi idealizado, decisões e políticas mais recentes estão tratando de reduzir ainda mais alguns de seus elementos mais importantes. Foi o que aconteceu ao serem aprovadas novas diretrizes para a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB) em 2017, sob o governo de Michel Temer e a gestão de Ricardo Barros como ministro da Saúde. Essas mudanças foram objeto de pesquisa publicada na edição de maio dos Cadernos de Saúde Pública, da Fiocruz. Fabricio Loureiro Garcia e Marlana Socal analisaram dados da cidade do Rio de Janeiro de 2017 e 2020, recolhidos pelo DataSUS, e notaram uma forte deterioração da Estratégia de Saúde da Família (ESF).

O momento era de crise econômica no Brasil, mas também de adoção de políticas de “austeridade” orçamentária pelo governo – foi a mesma época da aprovação do teto de gastos, que congelou gastos sociais por 20 anos, e da contrarreforma trabalhista. Essas novas diretrizes criaram uma ruptura ao fragilizar notoriamente a Saúde da Família, em detrimento de uma política mais tradicional de atenção básica, comprovadamente menos eficaz. A ESF exige que as equipes sejam compostas por um médico de atenção primária, um profissional de enfermagem e um assistente, além de um número de Agentes Comunitários de Saúde que dê conta do contingente de pacientes atendidos – sendo no máximo um agente para cada 750 pessoas. Cada equipe é responsável por 3,5 mil a 4,5 mil brasileiros.

Com as mudanças na PNAB, as regras afrouxaram, e o ministério passou a aceitar equipes de atenção básica com cargas horárias e número de profissionais menos fixos. Também não se exige que haja agentes comunitários – essenciais para a criação de vínculo das comunidades com o sistema de saúde. Os dados trazidos pela pesquisa mostram de maneira inequívoca como as mudanças afastaram a atenção básica da população carioca. A cobertura da cidade pela ESF, que vinha crescendo com notabilidade de 2010 a 2017, despencou ano a ano até 2020. Como mostra o gráfico abaixo, era de 62,6% em 2017 e caiu para 40,5%, três anos depois. 

O número de equipes de saúde da família também caiu bruscamente no Rio. Em 2017 eram 1.180 times, com 6.538 agentes comunitários – despencaram para 789 equipes e 3.636 agentes. As visitas domésticas das ESF caíram 61 vezes: de 2,47 por mil habitantes em 2017 para 0,04 por mil habitantes em 2020. As consultas médicas de adultos despencaram de 54 por mil pessoas para 0,2 por mil. Os atendimentos médicos de crianças também diminuíram drasticamente de 50,7 por mil para 0,4 por mil. Em resumo, de todas as 15 variáveis analisadas pelo estudo, 13 mostraram queda.

[GRAFICO 2]O estudo alerta para o problema, que pode afetar a longo prazo a saúde da população carioca – especialmente os mais vulneráveis, que são os principais usuários do SUS. Já em 2017, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), o Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e a Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, da Fiocruz, manifestaram-se contra as novas diretrizes. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e o Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) também manifestaram preocupação. Na semana passada, a diretora da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) alertou para a importância do financiamento robusto da Atenção Básica: “A menos que aumentemos a capacidade do nível primário de fornecer serviços de qualidade, nossas populações continuarão ignorando a atenção primária e indo para os hospitais, onde o custo é muito maior”.

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