Por Carlos Motta, publicado em Jornal GGN –
Num país sério as músicas de Eduardo Gudin tocariam no rádio dia e noite, de tão boas que são.
Mas este é o Brasil, uma colônia cultural americana, depósito do lixo da indústria de entretenimento, um dos alvos prioritários do soft power do grande irmão do norte.
A música de Gudin faz bem para os ouvidos, para o cérebro e para o coração.
Não tem contraindicações.
Ele integra a santíssima trindade do samba paulistano, ao lado de Adoniran Barbosa e Paulo Vanzolini, de quem foi parceiro.
Tem um sem número de composições gravadas, algumas já clássicas, como “Verde”, parceria com J.C. Costa Neto, um hino à esperança de se viver num país melhor, e “Paulista”, também com Costa Neto, de um lirismo arrebatador.
É dele, com Paulo César Pinheiro, uma das mais expressivas canções sobre o terrível período da ditadura militar, “Mordaça”: “(…) E de repente o furor volta/O interior todo se revolta/E faz nossa força se agigantar/Mas só se a vida fluir sem se opor/Mas só se o tempo seguir sem se impor/Mas só se for seja lá como for/O importante é que a nossa emoção sobreviva (…)”.
Mas é uma outra canção, em parceria com Roberto Riberti, que sintetiza o drama de uma sociedade que se nega a combater a terrível desigualdade que a macula e a impede de se livrar do atraso secular.
“Velho Ateu” é a música preferida de Gudin, segundo ele mesmo, e encerra todos os seus shows.
Uma obra-prima, um chamado à reflexão sobre que tipo de sociedade em que queremos viver.
Um velho ateu, um bêbado cantor, poeta
Na madrugada cantava essa canção, seresta
Se eu fosse Deus a vida bem que melhorava
Se eu fosse Deus daria aos que não tem nada
E toda janela fechava
Pr’os versos que aquele poeta cantava
Talvez por medo das palavras
De um velho de mãos desarmadas