Uma jornada fotográfica por lugares intocados, onde o homem convive em harmonia com a natureza. Um hino visual à grandeza e à fragilidade da Terra.
Por Revista Prosa Verso e Arte
Em “Gênesis”, projeto em que Sebastião Salgado, durante oito anos, fotografou recantos intocados do planeta, o seu tempo de formiguinha o levou, por exemplo, a caminhar 850 quilômetros, a pé, nas montanhas no Norte da Etiópia, no que diz ter sido “a viagem mais fabulosa” de sua vida. Salgado cruzou o mundo, visitando 32 regiões extremas. Suas lentes registraram imagens impactantes, a divindade e fragilidade da natureza, além da sua relação com o homem e os animais.
“…A humanidade é uma espécie sem saída. Não somos uma espécie sustentável, destruímos tudo à nossa volta ao ponto de haver lugares onde já não é possível viver por causa da nossa destruição. A única espécie realmente predadora somos nós. Quando terminei Migrações não acreditava na espécie humana, como não acredito até hoje. Fiquei desesperado, porque os humanos eram a minha única referência. Mas depois, quando comecei a replantar uma floresta na nossa quinta no Brasil (Vale do Rio Doce, Aimorés), quando decidimos fundar o Instituto Terra e depois da concretização de Gênesis comecei a viver em paz. Compreendi que se a nossa espécie desaparecer, sobreviverão muitas outras, a das formigas, a dos camaleões, a dos rinocerontes… São espécies tão importantes como a nossa. […] Se não mudarmos o nosso comportamento em relação à natureza, vamos desaparecer. E o certo é que não estamos mudando esse comportamento, pelo contrário, estamos usando cada vez mais espaços que não são os nossos. Mas, hoje, vivo em paz porque me aproximei tanto da natureza que me tornei natureza.”
– Sebastião Salgado, em entrevista a Sérgio B. Gomes | Público. 26.3.2015.
“Se existe um Deus esse Deus é a natureza. É certo que as teorias que foram criadas em torno da evolução natural são muito estritas, tão estritas como se crê que Deus seja estrito. As regras da natureza são invioláveis, não falham, a justiça que a natureza pratica às vezes custa a chegar, mas ela chega. Estas duas dimensões são muito parecidas. Se existe um enviado pelo senhor da natureza, esse homem é Darwin. Eu não sou crente. Não acredito em religião nenhuma. Mas creio que existe uma ordem criada pela evolução. Escolhi as ilhas Galápagos como a primeira viagem de Gênesis para tentar compreender o que Darwin compreendeu. Li o diário dele e pude perceber onde ele esteve exatamente em Galápagos. Tentei ir aonde ele foi, tentei ver a vida que ele viu, ir às crateras e aos vulcões que ele descreveu. Foi muito importante compreender a vida daquelas tartarugas gigantes, das iguanas, sentir a evolução através destes animais. Sentir que a evolução surge de uma maneira diferente em cada uma daquelas ilhas, dependendo de cada um dos seus ecossistemas. Foi uma lição fantástica. Quando a compreendi, fui embora.”
– Sebastião Salgado, em entrevista a Sérgio B. Gomes | Público. 26.3.2015.https://1ad89ba07ea2547a029243a0cf6b0fa8.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.htmlx
“Mas eu fui ver a terra. Caminhei muito, muito. Subi a montanhas… Lembro-me que no Alasca um aviãozinho largava-me num ponto e vinha-me buscar dez dias depois, ou duas semanas depois, dependendo do clima. Ficava em paz, sozinho. Subi àquelas montanhas a aprender a ver o meu planeta, a integrar-me nele. A partir de um momento era parte daquele todo. Quis muito olhar o todo. Fui o anão e o gigante ao mesmo tempo, porque eu também sou natureza, estive ligado a tudo. O nosso planeta é de uma beleza, de uma vastidão, de uma vivacidade… Tudo é vivo. Havia montanhas que imaginava mortas, mas elas são mais vivas do que eu. Se tivesse a capacidade de ver a natureza em milhares de anos, eu perceberia que aquilo tudo era móvel. Montanhas jovens, a crescer, ou velhas, a erodir e a renascer outra vez. Estive em cima de rochas que tinham um dia de existência. Tive de levantar um pé e pousar o outro por causa da temperatura com que vinham dos vulcões. Assim como estive em cima das rochas mais antigas do mundo, que ficam nas montanhas Guiana, na Venezuela. Foi um privilégio.”
– Sebastião Salgado, em entrevista a Sérgio B. Gomes | Público. 26.3.2015.
“Tenho uma enorme admiração pelo continente africano. Para os brasileiros, África tem uma conotação muito especial, mesmo que a maioria dos brasileiros não a compreenda inteiramente. Há 150 milhões de anos o continente africano e o americano eram um só. Basta olhar para os contornos dos continentes do lado atlântico. Eles encaixam. O que nós no Brasil temos de minerais, do lado africano também tem, os vegetais, apesar de uma certa evolução, também não são tão diferentes assim. Houve um movimento de população importante iniciado com o comércio de escravos pelos portugueses. Uma das grandes componentes raciais brasileira é a africana. Para mim, a África terá sempre uma conotação especial. É o continente principal. Se a Etiópia é o umbigo do mundo, a África é a cabeça do mundo. É um continente completo, em culturas, em línguas, em história. É muito especial para mim.“
– Sebastião Salgado, em entrevista a Sérgio B. Gomes | Público. 26.3.2015.
O livro Gênesis é à “minha carta de amor para o planeta”
:: Gênesis, de Sebastião Salgado. São Paulo: Taschen, 2013.
O livro “Gênesis” reúne imagens do fotógrafo Sebastião Salgado que apresentam os paraísos terrestres e seus agrupamentos humanos que vivem como nos tempos primordiais. Fruto do projeto homônimo, inspirado no livro bíblico, a edição, com capa dura e mais de 500 páginas, retrata montanhas, desertos e oceanos, animais e pessoas, as imagens foram feitas entre os anos 2004 e 2012. Divididos em capítulos: “Extremo Sul do Planeta”, “Extremo Norte do Planeta”, “África”, “Amazônia/Pantanal” e “Santuários do Planeta”.
* Sebastião Salgado nasceu em 1944 em Aimorés, Minas Gerais. Formado em Economia, rendeu-se ao mundo da fotografia em 1973. Trabalhou extensivamente para a imprensa internacional ganhando reconhecimento e muitos prêmios por suas reportagens na África. Na década de 90, mergulhou junto com sua esposa, Lélia Wanick, num projeto de vida que foi o embrião da expedição fotográfica Gênesis: a recuperação de uma propriedade completamente degradada, que hoje é o Instituto Terra, instituição dedicada a constituir o ecossistema florestal da região do Vale do Rio Doce, em Minas Gerais. Salgado é também embaixador da Boa Vontade da UNICEF e membro honorário da Academia de Artes e Ciências dos EUA.https://1ad89ba07ea2547a029243a0cf6b0fa8.safeframe.googlesyndication.com/safeframe/1-0-38/html/container.html
“Um fotógrafo é literalmente alguém que desenha com a luz. Um homem que escreve e reescreve o mundo com luz e sombra. Coloque vários deles em um mesmo lugar e eles tirarão sempre fotos diferentes. Cada um tem sua maneira de ver em função da sua história.”
– Sebastião Salgado, no documentário “O Sal da Terra”. direção: Juliano Ribeiro Salgado e Wim Wenders (2014).