Mostra imersiva, que ocupa o Museu do Amanhã até 29 de janeiro, mostra floresta desconhecida e plena de vida, em contraste com as imagens de destruição cada vez mais comuns
Por Vanessa Barbosa, compartilhado de Um Só Planeta
Sebastião Salgado/Divulgação
Ao longo de mais de sete anos, Sebastião Salgado mergulhou no bioma amazônico para retratar toda a potência que habita ali. Das expedições por terra, água e ar saíram imagens que traduzem o que há de mais extraordinário na maior floresta tropical do mundo — e, para muitos de nós, uma realidade pouco conhecida. Árvores centenárias e plantas com incontáveis propriedades medicinais, rios voadores que regam o continente sul-americano com mais água do que o próprio Rio Amazonas, centenas de povos indígenas, com mais de 180 línguas e culturas diferentes, muitas das quais sem nenhum contato externo.
“Esse conjunto de comunidades indígenas e bioma amazônico constitui a maior reserva de riquezas do Planeta”, disse o fotógrafo na estreia da exposição “Amazônia” para convidados nesta terça-feira (18). A mostra que já passou por Paris, Londres, Roma e São Paulo, abre ao público hoje (19) no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro, onde fica até 29 de janeiro de 2023. “Principalmente neste momento em que o mundo está ameaçado pelo aquecimento global acelerado, nós precisamos da Amazônia para manter a biodiversidade, a distribuição de umidade pelo globo e nos proteger. Se destruirmos a Amazônia, ela vira uma bomba de carbono“, alertou.
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Não à toa, 8 dos 10 municípios brasileiros que mais emitem gases efeito estufa, vilões do aquecimento global, estão na Amazônia, e pelo mesmo motivo: perda de floresta por desmatamento e incêndios. Imagens de imensos bolsões abertos em meio à vegetação pristina ou de famintas labaredas consumindo tudo pela frente e lançando fumaça negra ao céu — cada vez mais presentes no imaginário popular diante dos crescentes ataques à floresta — não encontram espaço na seleção da “Amazônia”, que conta com a curadoria e cenografia de Lélia Wanick, ativista ambiental, produtora e esposa de Salgado.
Sebastião Salgado — Foto: Drew Forsyth/Divulgação
Embora a expedição tenha gerado registros da destruição da floresta, na exposição o visitante encontra 194 fotografias da floresta que pulsa e não agoniza. “Nós decidimos mostrar a Amazônia Viva. Essas fotografias representam 82% do bioma amazônico que ainda existe”, ressaltou o fotógrafo. Caminhar pela mostra é como adentrar o espírito da floresta, com as forças humanas e sobrehumanas que sustentam o equilíbrio de seus ecossistemas e, por tabela, a própria vida. “O objetivo era que o visitante se sentisse dento da floresta vivenciando um pouco da magia exuberante da Amazônia, da sua natureza e dos seus habitantes”, explica Wanick.
A música embala a visão das fotografias com a trilha sonora original do francês Jean-Michel Jarre, elaborada a pedido dos Salgado a partir dos sons da floresta. A exposição apresenta ainda dois espaços com projeções de fotografias. Uma delas mostra paisagens florestais acompanhadas pelo poema sinfônico Erosão – Origem do Rio Amazonas, de Heitor Villa-Lobos (1887-1959), e a outra traz uma sequência de retratos de índios, sonorizada por uma peça do também brasileiro Rodolfo Stroeter especialmente composta para a mostra.
Família Asháninka, no Acre, 2016. — Foto: Sebastião Salgado/Divulgação
O que o futuro reserva
Em conversa com jornalistas, Salgado fez críticas à gestão Bolsonaro, que considera a maior responsável pelo avanço da criminalidade na região que, a cada dia, deixa vítimas fatais, como o recente assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips. “Foi retirado o filtro de proteção da floresta e dos territórios indígenas, permitindo a penetração da marginalidade violenta na floresta”, criticou o fotógrafo e ativista.
“Jamais a floresta amazônica esteve tão ameaçada e tão destruída por conta da ação do poder executivo”, acrescentou. Em contrapartida, elogiou a atuação do judiciário brasileiro em enfrentar o avanço da destruição da floresta: “O judiciário no Brasil é hoje um poder amortecedor. Realmente, podemos contar com a maior parte de juízes e procuradores que ajudam de forma determinante a frear a destruição provocada pela barbárie do nosso executivo atual”.
Lélia Wanick — Foto: Drew Forsyth/Divulgação
Ao longo de sua fala, Salgado criticou o desmonte da política ambiental brasileira e o enfraquecimento de órgãos e instituições fundamentais, como o Ibama, o Instituto Chico Mendes e a própria Funai, “que atualmente está trabalhando mais a favor do agronegócio retrógrado do que para as comunidades indígenas”. Nem sempre foi assim.
“Temos pouco mais de 25% do território amazônico como território indígena protegido pela Constituição, graças a vitórias históricas atingidas pela Funai por meio dos seus sociólogos, antropólogos, indigenistas e da participação efetiva dos povos tradicionais”, recorda, frisando que as comunidades indígenas nunca estiveram tão ameaçadas, mas ao mesmo tempo tão organizadas como agora.
A voz das comunidades ameríndias, aliás, pode ser ouvida em sete vídeos que apresentam testemunhos de lideranças indígenas, sem intermediários. São relatos impactantes sobre a importância da terra, dos rios, da floresta amazônica e dos graves problemas que ameaçam, inclusive, a sobrevivência das etnias e de outros povos – incluindo quem mora longe da floresta.
“Nos próximos meses, vamos eleger um novo presidente ou continuar com o que está aí. A grande esperança que temos é que possamos eleger um outro [chefe do] executivo”, ponderou. Para conter o extermínio dos povos indígenas e a destruição da floresta, Salgado destaca ainda a importância de ações coletivas, informação, participação e engajamento. “Acho imprescindível a participação do planeta inteiro na proteção da Amazônia”.
Formado em economia, Salgado é reconhecido mundialmente pelo forte teor social de seu trabalho. Ao longo de sua trajetória profissional, registrou condições de vida dos camponeses e dos índios da América Latina, documentou o trabalho manual e as árduas condições de vida dos trabalhadores em várias partes do mundo, incluindo a questão agrária no Brasil.
Em 2014, seu trabalho monumental virou tema de documentário O Sal da Terra, produzido pelo seu próprio filho, Juliano Salgado, e pelo diretor Wim Wenders, que relata desde os primeiros trabalhos de Salgado na Serra Pelada, passando pela miséria no semi-árido do Nordeste e na África, até sua obra-prima, “Gênesis”.
O fotógrafo e humanista define o problema da Terra da seguinte forma: “A ganância está destruindo nosso Planeta”. A destruição da floresta amazônica não foi feita só pelos brasileiros, segue, “mas pela sociedade de consumo do planeta inteiro”, diz, em alusão à participação de nações europeias na degradação da Amazônia que, ao longo de mais de três décadas, perdeu 18% de seu bioma para o avanço da motosserra.
“Os alemães, os franceses e os noruegueses, por exemplo, nunca se questionaram sobre a origem na hora de comprar madeira de qualidade para construção. Uma boa parte das vacas e porcos da Alemanha engordaram com soja que vem daqui e uma boa parte de áreas destruídas da floresta. Boa parte da carne que se compra nos mercados europeus vem do mercado brasileiro, e sabe-se lá se veio de área desmatada”, enumerou. Para Salgado, indústrias estrangeiras também deveriam boicotar venda de maquinários utilizados no garimpo e grupos financeiros deveriam filtrar seus negócios para impedir investimentos predatórios na floresta.
Lélia e Salgado: união na vida, na fotografia e na paixão pelo Planeta. — Foto: Divulgação
Ao final da exposição, o visitante conhece o Instituto Terra, dedicado ao trabalho de Lélia e Sebastião Salgado, iniciado em 1998 e que empreendeu o reflorestamento de cerca de 600 hectares de Mata Atlântica em Aimorés (MG), plantando milhões de mudas de árvores em extinção.
Além de replantar e recuperar a área, sua terra, vegetação e as nascentes que asseguram a equilíbrio ambiental, o Instituto forma mão-de-obra especializada, capacitando jovens ecologistas para proteger e conservar a biodiversidade da região. Atualmente, o projeto tem como meta plantar 1 milhão de árvores até 2028.